A revisão constitucional e o território
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Ano atrás de ano, o país confronta-se com o fenómeno dos incêndios. Várias causas são invocadas como, por exemplo, a necessidade de se limparem as matas, a desertificação dos espaços, a falta de economia, as alterações climáticas ou mesmo a ausência de infraestruturas.
Perante isto, poderemos dizer que precisamos de uma avaliação deste problema que vá mais longe do que esta mera circunstância e que exija uma resposta estrutural.
O interior do país, como nos dizia, noutro tempo, Eça, já não é sequer uma paisagem. Essa vem, ano após ano, a degradar-se e a destruir-se por intervenção humana e por catástrofe natural.
Duas notas parecem ser de avaliar para permitir essa reflexão. A primeira será política e a segunda dos meios a equacionar.
Do ponto de vista político, o interior não tem representatividade no Parlamento e faltam-lhe condições para reivindicar outras decisões para obrigar a olhar para esses espaços.
A atual divisão eleitoral, por distritos, está a conduzir para o aprofundar desta falta de representatividade política. Que capacidade existe em Bragança, Vila Real, Guarda, Castelo Branco ou Portalegre quando todos juntos estes distritos eleitorais representam cerca de quinze deputados? Ao mesmo tempo, Braga, Porto, Lisboa e Setúbal sentem uma representatividade que cresce em cada ato eleitoral. Seria importante refletir num sistema que permita círculos eleitorais mais homogéneos e assente numa base territorial regional e não distrital.
Do ponto de vista dos meios, está evidente que precisamos de uma estrutura profissionalizada que acompanhe a proteção civil como uma espécie de um novo ramo especializado das Forças Armadas.
O novo pacto para a gestão da floresta precisa de mais do que tentar encontrar paliativos de ocasião. Talvez precise de uma "nova Lei das Sesmarias" porque necessitamos de ter gente nesses locais para depois existir economia e atratividade.
No fundo, estamos quase como no século XIX na relação entre o poder central e o poder local. O que mudou foram as autoestradas, que acabaram por ser propícias ao mais fácil abandono destas regiões.
Numa altura em que alguns apelam a comparar os incendiários aos terroristas, esquecendo o que já se fez em relação ao narcotráfico sem sucesso, parece que o aumentar das penas de prisão não vai resolver o problema e a comissão de inquérito nada mais será do que um contínuo enfraquecimento institucional do Estado.
Esta parece ser a altura para uma revisão constitucional que permita olhar para o território de outra forma. Em 1976, pensou-se que a regionalização seria uma solução. Hoje, sabemos que temos de alterar a relação entre o poder central e o poder local, dando escala e organização ao país. Quem sabe se a reforma do Estado não deveria começar por aqui?