A última revisão da legislação farmacêutica europeia foi há cerca de 20 anos.
Corpo do artigo
Desde então houve apenas mudanças de cariz social e científico e foram definidas algumas novas áreas de preocupação, como por exemplo a escassez de medicamentos. Estão agora na calha mudanças para ajustar a legislação farmacêutica ao contexto atual, e aos novos desafios do setor que foram evidenciados primeiro com a pandemia por covid-19, e depois com a guerra na Ucrânia. Existe ainda a intenção de reduzir de oito para seis anos o período de proteção da propriedade intelectual de um novo medicamento e, simultaneamente, condicionar qualquer recuperação dessa proteção perdida a fatores fora do controlo da indústria farmacêutica que desenvolve esses novos medicamentos.
O lançamento de um medicamento em todos os mercados dentro de dois anos após a aprovação da UE, independentemente da avaliação custo-efetividade e da decisão de financiamento, criará um sistema complicado, imprevisível e que deixará, sobretudo, de ser competitivo.
Além disso, a existência de medidas nacionais de contenção de custos já está a colocar a Europa em desvantagem relativamente a investimentos em investigação, desenvolvimento, fabrico e dependência no fornecimento de novos tratamentos. É importante lembrar que há cerca de 10 anos a maior parte das inovações em medicamentos tinham origem na Europa, sendo que atualmente vêm de mercados como os EUA, China e Japão. A Europa está progressivamente a perder competitividade em termos farmacêuticos, e colocam-se muitas dúvidas sobre se a nova legislação irá ao encontro dos interesses dos países europeus.
A diminuição dos anos de proteção para dados, medicamentos pediátricos e para o tratamento de doenças raras irá limitar as pequenas e médias empresas farmacêuticas em termos de competitividade.
É impossível encurtar os períodos de propriedade intelectual e, simultaneamente obrigar as empresas a introduzirem um novo medicamento em todos os países da UE. Continuar-se-á a assistir à degradação do tecido empresarial na área farmacêutica na Europa, como consequência deste novo quadro legal. A este contexto, acresce a discrepância de tempo de demora na concessão de autorizações entre os vários países europeus, o que constitui também um forte entrave ao investimento. Nesta matéria importa salientar que cada país tem o seu próprio regulador e que em Portugal, por incrível que pareça, a referida demora é de 600 dias.
A preocupação com o declínio relativo na atratividade da Europa como centro de inovação e fabrico existe há vários anos, e esta revisão da legislação farmacêutica não vai solucionar problemas.
No âmbito da nova Estratégia Farmacêutica para a Europa, é importante prever um quadro regulatório que sirva para apoiar diversificações das cadeias de abastecimento, e que garanta a autonomia estratégica da EU, quer através da criatividade industrial, quer promovendo a sustentabilidade ambiental dos medicamentos, alinhada com a evolução digital e tecnológica. Tem de haver uma análise mais rigorosa das alterações previstas uma vez que podem dificultar a capacidade de investigação, inovação e disponibilização de novos medicamentos aos cidadãos europeus.
Tudo indica que a Europa se prepara para dar mais um tiro no seu próprio pé...
Médico