<p>Vejam só como funciona esta intoxicação que nos vem de cima, na ausência de uma comunicação social com peito forte para soprar para longe a fuligem e a fumaça que nos queimam os olhos: de tanto que os partidos no lado direito do arco mandão rasgaram vestes e carpiram por cortes e mais cortes na despesa, aconteceu que, quando o Governo veio anunciar a martelada, o pessoal cá de baixo como que respirou de alívio - ai que bom, vêm aí cortes nos salários, antes assim...</p>
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Demos, pois, em doidos? Ou injectámos na veia uma dose daquelas?
Não foi bem isso: o narcótico veio pela voz de catedráticos de economia de quem nem a Badajoz chegaram ecos de méritos ou outros, muito famosos, que nunca tiveram tempo nem cabeça sequer para um mestrado, ou ex-ministros das finanças que se tivessem um pingo de vergonha pelo guano que deixaram atrás deles pediam autorização especial para andarem com uma burca encharcada a cobrir-lhes o descaro e faziam o voto de silêncio das freiras cistercienses de Agrigento - sem esquecer os prestáveis e uníssonos jornalistas «especializados» em comentar economia mas com ciência insuficiente para serem capazes de suscitar um contraditório que ponha as pessoas a pensar: «E se não for assim?»
A vertigem já passou, as pessoas começam a cair em si e está aí a pôr-se um pé-de-vento que eu quero ver! Já a precaverem-se disso, os partidos do arco do poleiro andam, coisa e tal, a foguear nova cegada do aprova não aprova orçamento, do cai não cai governo. Feitas as contas, forte desgraça temos pela frente: ficarmos sem orçamento? Perguntem às famílias se ainda o têm. Ficarmos sem o governozinho tão querido? Oh, que pena, mas lá virá o gémeo, deixá-lo.
Todos conhecem a história do cavalo do avarento (antigamente dizia-se a nacionalidade do dono, mas agora pode soar a discriminatório) que usava saia e bebia whisky (oops! Escapou-me...): calculou o marau que se tirasse todos os dias uma fava à ração do cavalo, ele não notaria. Acabou mal.
Por cá, as pessoas começam a desconfiar que quem manda não tem nenhuma outra ideia senão a do dono avarento do cavalo - e todos os dias lhes vêm impor o sacrifício de uma fava. E nem explicação se dignam dar - para quê, para pôr as cavalgaduras - isto é, nós - de sobreaviso?
Aproxima-se o dia em que diremos: hoje nem queremos ração, estamos de greve. Desta vez somos todos. Nem que seja por um dia, vai saber bem jejuar para mandá-los à fava - e se não se precatam, ainda sai coice bem aviado!
Isto sou eu a devanear, não liguem.