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Na passagem de meio século sobre a Revolução dos Cravos, Portugal fez uma quase nova revolução. O aprofundamento da descentralização administrativa para os municípios e freguesias inicia uma nova era da nossa democracia.
O centralismo, que resiste tenazmente à repartição de poderes e de recursos, tem sido um dos grandes responsáveis por um país que, apesar da sua dimensão física e da sua unicidade cultural e identitária, se foi desenvolvendo de forma desigual.
A coesão nacional, a real igualdade de oportunidades entre os cidadãos e a capacidade de aproveitarmos todos os nossos recursos em benefício de um desenvolvimento harmonioso têm sido postos em causa ao longo de séculos por um Estado profundamente centralista. Este é um diagnóstico conhecido, confirmado e tantas vezes enunciado que deveria estar presente, deveria ser um alicerce, em todas as agendas políticas.
No entanto, década após década de Estado democrático, continuamos a assistir à tentação do Terreiro do Paço de manter em si o poder e de, por vezes, ainda reforçar o longo braço do centralismo.
É, pois, assinalável a reforma administrativa descentralizadora realizada nos últimos anos, a que o então primeiro-ministro António Costa chamou – e bem – “a pedra angular da reforma do Estado”.
Avançámos em áreas fundamentais para a qualidade de vida dos cidadãos, como a Educação, a Solidariedade Social e a Saúde, entre várias outras. Temos agora freguesias, municípios, comunidades intermunicipais e áreas metropolitanas com mais meios descentralizados e mais poderes de decisão e de gestão, ou seja, com maiores responsabilidades perante os cidadãos que anseiam por mais sentido de proximidade.
Este é um caminho que carece de um novo passo para garantir a sua consistência e completude. Esse passo é a regionalização, a criação de instituições democráticas de governo regional que assegurem melhor gestão dos recursos, maior capacidade de gerar sinergias dentro dos territórios e uma libertação dos potenciais endógenos que só regionalmente conseguimos compreender e valorizar.
Olhando em volta, vemos que são os países regionalizados e descentralizados que, por norma, apresentam os melhores indicadores de desenvolvimento. Mais do que um debate ideológico, cada vez mais potencialmente contaminado por argumentos populistas, devemos ser capazes de mostrar aos cidadãos que a regionalização é, pode ser – tem de ser – uma vantagem para todos.
Em plena campanha eleitoral, sabendo que estamos a escolher um novo Governo de Portugal, era bom que o aprofundamento da reforma administrativa e organizativa do Estado fizesse parte das agendas e dos programas eleitorais.
Os portugueses merecem que se fale claro dos temas da descentralização e da regionalização. Merecem que cada uma das forças partidárias em disputa democrática nos diga qual é o seu posicionamento em relação ao centralismo, que medidas propõe para o reforço da coesão territorial e para a afirmação do Poder Local e do Poder Regional.
Perante o contexto de incerteza internacional, quando já se vislumbra uma crise económica como resultado da disrupção das relações comerciais que sustentaram a globalização, a resiliência do nosso país passará cada vez mais pela nossa capacidade de melhorar a gestão dos recursos disponíveis e de reunir as forças de cada região num somatório que permita fomentar um desenvolvimento mais acelerado do conjunto do país.
Precisamos que esta revolução tranquila possa continuar a produzir frutos, a bem de todos, a bem do nosso presente, mas, sobretudo, a bem do futuro de prosperidade e de equilíbrio social e territorial que ambicionamos.