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Para a CGTP, a greve geral foi um sucesso. Como sempre, de resto, porque o diagnóstico da central sindical nunca diverge. Felizmente, o Governo não se preocupa em discutir as percentagens de adesão à greve, uma ridícula guerra de números que não convence ninguém e que só alimentava polémicas inúteis.
A greve teve grande adesão no setor público, como era previsível, e como normalmente acontece. A CGTP tem muita influência no Estado e no seu universo laboral, principalmente entre os que têm um vínculo laboral sólido, e não temem as consequências das greves para as suas empresas, sustentadas pelo erário publico. Já teve, como era inevitável, uma fraquíssima adesão no setor privado, porque os trabalhadores receiam aí as consequências que uma paralisação pode ter para as suas empresas. Sob o ponto de vista da economia em geral, é possível que esta greve tenha tido um impacto significativo, desde logo porque a falta de transportes públicos impediu que muitos portugueses comparecessem nos seus locais de trabalho, mas também porque o encerramento das escolas complica sempre a vida dos pais.
Alguns aspetos merecem, contudo, reflexão e preocupação. É desde logo de realçar que, desta vez, a CGTP e o Partido Comunista não controlaram a rua. E não me estou a referir, apenas, aos violentos desacatos que marcaram a noite porque, por essa hora, a manifestação oficial já tinha terminado. Aqui, foram elementos radicais, portugueses e estrangeiros, que se dedicaram a provocar a Polícia e a causar distúrbios e destruição. Esse é o circo anarquista, constituído por meninos rebeldes de famílias ricas, que se passeia pela Europa tolerante, a clamar pela revolução, que provoca a Polícia e detesta a democracia burguesa e os seus valores, mas aos quais depois recorre, choroso e indignado, sempre e quando se vê em maus lençóis. Só mesmo a Amnistia Internacional é que conseguiu considerar que essa manifestação foi pacífica, porque a sua secção portuguesa, reunida num bar do Bairro Alto, assistindo aos relatos complacentes das nossas televisões, achou normal que se arrancassem as pedras da calçada para bombardear a Polícia.
Nada que a CGTP pudesse impedir, sendo certo que tais atos justificaram o vivo repúdio de Arménio Carlos. O problema é que mesmo durante a manifestação da CGTP, ocorreram outros comportamentos incorretos ou menos edificantes. Foi o caso dos estivadores de Lisboa, gente que nunca teve qualquer relação com a central sindical ou com o Partido Comunista, e que aproveitaram a boleia para se exibir. Esse oportunismo, patenteado por alguns senhores que levam para casa mais do que qualquer ministro, só foi possível porque, estranhamente, o PCP os tem vindo a defender na sua luta. Que os estivadores de Lisboa pretendam manter as suas fidalguias, todos nós compreendemos. O que surpreende é que o PCP não entenda, ou finja não saber, que esse estatuto único não pode ser perpetuado, nem pode ser defendido por razões éticas, e que a CGTP permita que a sua manifestação seja parasitada por essa gente.
Também se viu, na televisão, que o camarada Otelo marcou presença na manifestação. As suas ameaças, com cheiro a mofo, não assustam ninguém. Também ele vive confortavelmente perdoado pelos políticos que agora ameaça. Um fantasma patético, que nunca assumiu as suas responsabilidades, e para quem a sua participação no 25 de Abril é um salvo-conduto vitalício para todas as tropelias.
O problema é que o palco de tudo isto é, desgraçadamente, o nosso país e não estamos num circo. Temos muitos problemas que não se resolvem com o "quanto pior melhor". Estamos mais pobres, mas ainda temos a liberdade, que nos permite reagir, reclamar, contestar, e que tem de ser preservada, dignificada e valorizada. No dia em que essa liberdade for usurpada por aqueles que a detestam, pelos que a defendem dentro de portas, mas não a consentem quando estão no Poder, quando a liberdade puder ser posta em causa por quem a utiliza como mero instrumento descartável, podem ter a certeza de que estaremos muito, muito pior.
