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Na mesa de um restaurante de almoços económicos, ou diárias, falava o doutrinador e ouviam os doutrinandos, que eram três, mas também os que tinham a infelicidade de estar sentados por perto. Ora, cabendo-me tal infelicidade, aqui a trago: o doutrinador, um daqueles tipos que puxam ferro no ginásio, vestem roupa um número abaixo e exprimem, sem requintes de linguagem, a sólida sabedoria dos seus trinta anos, era o clássico soldado raso da extrema-direita populista, falando com propriedade de tudo e mais alguma coisa, dizendo nada e coisa nenhuma.
A dada altura, falava em Donald Trump, que quase identificava como o Messias, enaltecendo coisas sem nexo, ou perdidas no ruído dos talheres, mas também coisas bem audíveis, como quando louvou o facto de o presidente americano ter acabado com uma guerra no Afeganistão que durava há décadas e onde todos tinham falhado. Ora, sendo que isso é factualmente zero, despido de sentido, de contexto e de verdade, presume-se que decorra dos fluxos informativos que estas pessoas consomem, propaganda nas redes sociais e afins, sem a mediação de jornalistas. Para estas luminárias, a informação séria e deontologicamente balizada, o jornalismo, reduz-se toda à "palavra" jornalixo. Mais vale consumir aldrabices e acreditar nelas, mais vale ser-se manipulado e julgar-se inteligente.
Enfim, outro assunto em que o doutrinador parecia mestre era o mercado de criptomoedas, matéria em que sou uma nulidade absoluta. Porém, arrebitei as orelhas quando ele disse, triunfante: "O que me dá gozo nisto é que os mamões deixam de mamar!"
Ora, posso não saber de bitcoins, mas trabalho em história, pelo que ouvir coisas assim faz-me logo olhar o passado e concluir, sem esforço: os mamões nunca deixam de mamar; o que se verifica, através dos tempos, é que uns mamões vão sendo substituídos por outros. Um mamão tanto pode chamar-se Jakob Fugger e viver na Baviera, entre os séculos XV e XVI, como dar pela graça de J. P. Morgan e ser cidadão dos Estados Unidos, vivendo entre 1837 e 1913, como chamar-se Donald Trump, ser presidente dos Estados Unidos especializado em favorecer as suas causas pessoais e ser dono de um negócio de - hélas! - criptomoedas.
E especializado em ter idiotas, como o doutrinador do restaurante, a vê-lo como um deus, pois é assim que os oportunistas fascizantes crescem. A fascinar os crentes.