A política tem de ser uma atividade honesta, na qual as pessoas de bem admitam poder participar e o povo se reveja. Se não for isto mesmo e muito rapidamente, os interesses dos mais fortes vingarão sobre a justa redistribuição das riquezas segundo as necessidades e os méritos, conforme preceitua a democracia representativa. Se não conseguirmos cumprir com os mínimos exigíveis em democracia e como não diviso sistema económico alternativo, teremos uma espécie de capitalismo ainda mais selvático. E uma nova ordem em que valerá tudo, incluindo todas as guerras regionais para sobreaquecer uma das três indústrias tradicionais que não só não morreram como seguem de vento em popa: a do armamento. [As outras duas são a dos fármacos e a dos narcóticos].
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Vem este alerta muito a propósito quando se volta a falar da privatização do setor da saúde da Caixa Geral de Depósitos (CGD).
Um conjunto de coincidências colocou em alerta vermelho este processo de privatização parcial daquele que é conhecido como o banco do povo.
Esse conjunto de coincidências apenas se tornou singular na medida em que o Governo decidiu nomear António Borges seu consultor para os negócios das privatizações, incluindo as sugeridas pela troika no famoso memorando assinado pelos atuais parceiros da coligação no poder e pelo PS, que ainda governava mas a caminho aberto para a Oposição.
Ora, uma das privatizações sugeridas pela troika foi esta de que voltamos a ouvir falar. Ou seja: o negócio da saúde da CGD.
E voltamos a ouvir falar porquê?
Simplesmente porque o grupo Jerónimo Martins, do empresário Soares dos Santos - que a revista "Exame", do grupo de Pinto Balsemão, acaba de classificar como a maior fortuna portuguesa -, anunciou esta semana a intenção de criar um novo negócio na área da saúde.
Tudo normal, e ainda bem que a economia mexe positivamente com empresários a desafiarem a crise apostando em novos investimentos.
Porém, para a relação dos políticos com os eleitores não basta que os negócios corram normalmente. É indispensável que o povo respeite os termos em que os negócios acabam por ser feitos. E é deste ponto de vista simples mas crucial que o atual Governo tem a obrigação de não alijar responsabilidades que criou a si mesmo [e ainda estão na nossa memória] quando se fez eleger contra o clientelismo e os défices de transparência exatamente nesta área dos grandes negócios do Estado.
É aqui mesmo que bate o ponto, ou seja, na informação que nos for dada, ou não, sobre o papel do consultor: porque o grupo Jerónimo Martins contratou precisamente António Borges para o seu quadro de administradores.