A possibilidade de os meus dados clínicos estarem à distância de um clique e assim, quando estiver perante um profissional de saúde, este, desde que tenha um computador à mão, um acesso à internet e a minha autorização, possa, de imediato, ter acesso a toda a minha história de saúde desde que nasci, seria algo de extraordinário!
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Informação de qualidade sobre as consultas, os exames, os internamentos e todas as minhas interações com o sistema de saúde, tenham elas ocorrido ontem, há dez, há vinte ou há trinta anos, em entidades públicas, privadas ou do setor social, em qualquer parte do país ou mesmo de fora deste, particularmente do espaço europeu. Um registo de tudo o que relativamente à saúde me diz respeito e que foi sendo armazenado eletronicamente, ou seja: o Registo de Saúde Eletrónico (RSE).
É um sonho que está prestes a ser realidade e, sobretudo, como será bom de ver, um enorme contributo para a melhoria da qualidade e da sustentabilidade da prestação de cuidados.
É um manancial de informação à disposição de quem tem, muitas vezes em espaços de tempo assaz reduzidos, que tomar decisões da maior importância para cada um do nós.
É ainda um passo decisivo na concretização da ambição, muito propalada, mas pouco materializada, de colocar o doente e o cidadão no centro do sistema de saúde.
Há ainda alguns problemazinhos que estão associados a uns tantos palavrões como integridade de dados ou interoperabilidade de sistemas, que vêm sendo vencidos e ultrapassados, mas as maiores dificuldades estão mesmo à volta de outros palavrões como RGPD e privacidade.
E aqui chegados, temos que nos questionar se uma certa ditadura do normativo, cujas intenções serão as melhores e as mais nobres, não estará, de facto, a sobrepor o individual ao coletivo.
Não sendo este o local para a discussão técnica destas matérias, julgo, no entanto, que importa reter que relativamente às temáticas associadas à privacidade e à proteção de dados, cada um do nós, os cidadãos, que já foram, são ou serão doentes, tem, ou pode ter, aqui um papel-chave e desbloqueador da solução.
Desde logo, informando-se, discutindo e tomando posição sobre o tema.
Mas mais, muito mais importante é o potencial que toda esta enorme quantidade de dados encerra enquanto ferramenta preciosa para a ciência e para o desenho de novas e inovadoras estratégias de gestão dos recursos em saúde. Arrumados no que se vem designando por Data Lakes, estes dados, em infinitas combinações e (re)utilizações, podem ser uma fonte inesgotável de conhecimento que nos permitirá dar resposta aos cada vez maiores desafios que a saúde nos está a colocar, nomeadamente os que se prendem com o assegurar a sustentabilidade dos seus modelos organizativos.
Portugal tem boas condições para, por esta via, se diferenciar e afirmar no panorama global da inovação em saúde, com as consequências muito positivas que daí advirão para o nosso bem-estar coletivo. Basta, para isso, querermos!
*Diretor-executivo do Health Cluster Portugal