Não sei se já fizeram as contas. Esta, a eleição de 30 de Janeiro, é a décima sétima do ciclo do "25 de Abril". Refiro-me exclusivamente a legislativas, e, nestas, conto a de 1975 para a Assembleia Constituinte que não abriu qualquer legislatura. Para todas, de uma maneira ou de outra, houve debates na televisão. Até porque só existia uma televisão, a RTP.
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Com a abertura do sinal único à concorrência, pela mão do doutor Cavaco, no princípio dos anos 90, os debates passaram a ter outra dimensão. De 1995 em diante, sobretudo com a emergência, neste século, dos canais estritamente informativos, paralelos aos "generalistas", os debates cresceram numa péssima direcção. Que atingiu o ridículo nestas eleições. O sistema audiovisual em vigor, que coincide com o da oligarquia do regime, deliberou a realização de trinta - 30 - entre dirigentes partidários com representação parlamentar, um com todos estes, vindos de 2019, e ainda outro com os que não têm representação parlamentar. A 20 de Janeiro, em três rádios simultaneamente, repete-se a dose. Ora debates de nem sequer meia hora, divididos ao meio por alguns pivots que mais parecem candidatos, servem exactamente para quê, já que os "com todos" é só para a emissão de barulhos por umas dezenas de seres humanos respeitáveis? Onde é que fica a política no meio deste charivari absurdo? Jerónimo de Sousa é que esteve bem ao recusar comparecer a debates que não fossem em sinal aberto. Os restantes anuíram. Porquê? Porque, em ambiente pandémico, aparecer na televisão é que vale. Não haverá praticamente campanha de rua. E vale sobretudo o que os comentadores de cada uma delas disser a seguir aos debates. Estes beneméritos consomem mais tempo de antena que quaisquer candidatos. Classificam, desclassificam, exibem agendas político-partidárias sem o menor rebuço, salvo uma ou duas honrosas excepções. Chegou-se ao cúmulo de candidatos a deputados, que são avençados nas televisões, comentarem a candidatura do seu próprio partido, achando-a, naturalmente, admirável. Actuam como jurados de concursos a quem ninguém passou procuração para opinar a não ser os mandarins das operadoras. Fazem e desfazem agentes políticos, sem o menor escrutínio a não ser o da altíssima conta em que se têm. Nos anos 70, a RTP exibiu porventura o melhor concurso de todos os tempos, "A visita da Cornélia". O símbolo era uma simpática vaquinha que trocava impressões com Raul Solnado pela voz de Ana Mayer. Do júri aos pares concorrentes, tudo aquilo era genial porque as pessoas eram geniais. Agora, não. É tudo abaixo da saudosa vaca. Aprendam ao menos com ela.
o autor escreve segundo a antiga ortografia
*Jurista