Charles M. Schulz, o criador dos Peanuts, concebeu, em 1954, uma nova personagem que, inspirada numa outra de O Deus das Moscas, de William Golding, "nunca teve nome". Era apenas conhecido por Pig-Pen.
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Pig-Pen é um menino sempre sujo, move-se numa nuvem de poeira, fica instantânea e surpreendentemente sujo mal sai do banho, mas garante: "Estou sujo mas tenho pensamentos limpos."
Sentimos ternura por ele, vemo-lo vítima da sujidade indesejada - mas pensamos duas vezes se o sentaríamos ao colo…
Assim sucede na política, quando alguém - por razões não importa se certas se erradas - colhe um estigma indelével. É indelével para a vida. Mal olhamos para a pessoa - logo surge a nuvem de poeira, a chancela infamante, nada a fazer.
Nesta matéria, por culpas próprias e/ou alheias, José Sócrates atingiu o ponto de não retorno. Está dentro da nuvem de Pig-Pen e dela não pode sair. Pode ter episódicos banhos de lindeza nas suas esmagadoras e consecutivas vitórias em facúndia parlamentar, mas mal acaba o encanto, lá retorna a nuvem.
Sócrates é agora um fardo. É justo ou injusto o que lhe está a acontecer? É irrelevante. Está a acontecer. Ele é o primeiro a não poder chorar pela injustiça, porque é o retorno do bumerangue que lançou há cinco anos.
A filosofia política mais profunda a que José Sócrates conseguiu chegar foi a de que não interessam as acções praticadas, mas a imagem que delas ficam - e que os fins justificam os meios. Júpiter, quando queria perder os homens, enlouquecia-os primeiro. Sócrates lançou-nos num outro desvario, o de nos voltar uns contra os outros.
Há cinco anos que andamos a odiar-nos: aos juízes, aos funcionários, aos jornalistas, aos professores, a estes e àqueles, tantos que nem sei se também entram os frades e os monges neste rol de fel movido por uma inveja instilada pelo "agarra que é privilegiado!"
(O aprendiz Paulo Portas anda a treinar este jogo de injectar ódio entre os que têm ou não o rendimento mínimo…)
Enchemo-nos uns aos outros de tanta poeira que já nem sabemos se ela está em torno do parceiro ou se se colou à nossa íris. Fala um juiz - desconfiamos. Fala um funcionário - resmoneamos. Fala um professor - rosnamos. Agora, fala Sócrates e acabamos a rilhar os dentes. Já nem sabemos porquê, nem precisamos. Porque sim já é uma boa razão.
Hora de sair. Se tiver a fidalguia de António Guterres, sai pelo seu pé.
Se não a tiver - cai. No exacto momento em que supostos amigos vão fingir agarrá-lo. "Oops… estava escorregadio", dirão. Como o Pig-Pen.