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Nesta época de múltiplos SMS dei comigo a dedilhar no meu Nokia e encontrei num ficheiro que se chama 'Modelos' a seguinte mensagem-modelo: 'Também te amo'. Estas mensagens-modelo são daquelas que basta carregar no botão e enviar, não implicam empenhamento, nem sequer no teclar das palavrinhas.
Ora, ninguém que pretende dizer com sinceridade 'Também te amo' pode usar uma mensagem modelo como meio para o fazer. Esse acto de comunicação implica uma sinceridade que nenhuma mensagem pré-feita pode ter - mesmo que todos os que amam digam a mesma frase, essa frase é sempre diferente em cada uma das vozes, em cada uma das teclas dedilhadas.
Deve ser um sinal dos tempos que quem faz telemóveis se lembre de acrescentar 'Também te amo' a mensagens inócuas e burocráticas como 'Estou atrasado' ou 'Reunião cancelada'. E diz também muito sobre a omnipresença comunicacional em que vivemos - em permanente ligação, no tweeter ou no facebook, escrevendo posts nos blogues ou mandando SMS, estaremos em tão permanente fluxo comunicativo que já não distinguimos o valor de cada palavra?
Ou o valor de cada informação. É o que acontece com o manancial recolhido pela WikiLeaks nas embaixadas dos Estados Unidos em todo o Mundo. A histeria à volta deste tema tem-nos feito o que normalmente nos fazem as histerias: impede-nos de pensar. E isso impede-nos também de ver com claridade alguns dos pormenores que tornam importante esta história de... pormenores.
Ao contrário do que parece à primeira vista neste episódio que tem enchido páginas de jornais, não há nada de muito novo em fugas de informação - há anos que o jornalismo se faz delas, melhor ou pior tratadas. O caso português do jornalismo judicial português é exemplar no que a jornalismo feito de fugas diz respeito. O que o WikiLeaks trouxe foi uma nova dimensão às fugas - uma escala épica como dizia Tim Adams no inglês 'The Guardian'. Isso e os múltiplos pormenores que trazem para a luz do dia cenários que todos conhecemos, sobretudo os jornalistas, mas que nunca houve provas para revelar - provas, de que, aliás, os diplomatas prescindem.
A escolha dos jornais mais importantes do mundo para a divulgação da informação da WikiLeaks mostra a consciência que Julian Assange tem do perigo de colocar mais estas informações a boiar na enorme torrente informativa que nos rodeia. Puxando a brasa à sardinha dos meios de Comunicação Social de massa, a verdade é que o tratamento jornalístico e a hierarquização profissional acabou por dar às informações recolhidas pelo WikiLeaks o impacto que, em bruto, e apenas publicadas na Internet, não teriam.
Provavelmente nunca mais teremos um episódio como este. Daqui para a frente, os que, até talvez ingenuamente, produziam mensagens com conteúdo que suponham ser top-secret com a honestidade das conversas de café, deixarão de o fazer. E falarão e escreverão relatórios com a sinceridade das mensagens modelo dos telemóveis Nokia.
