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A Europa está em plano inclinado. É capaz de reverter a situação? Existem as maiores dúvidas. Atendíveis.
A soberba europeia está a murchar. Por erros trágicos. E o primeiro deles foi não ter sido capaz de perceber a impossibilidade de resistir à concorrência de países catalogados de Terceiro Mundo. Quem conduziu a Europa nas últimas décadas falhou, sobretudo quando avaliou o impacto da globalização e lhe deu o seu visto bom. O erro de cálculo é básico: a Europa confiou na recepção de produtos manufacturados a preço baixo, fabricados por povos no patamar da miséria e balizados pela falta de exigência do mínimo resguardo social, julgando o Velho Continente poder manter o exclusivo da massa cinzenta e da inovação tecnológica. Em suma: minimizou civilizações milenares, como as da China ou da Índia, e o resultado está à vista...
A Europa de hoje é castigada por erros de "casting" na sua condução. Agravados, naturalmente, pela falta de liderança dos seus dirigentes e de cuja ineficácia se vão valendo alguns - é aflitivo o modo como, país a país, a maioria dos governantes produz um ruidoso silêncio, abanando a cabeça como os burros e marcando lugares nas reuniões ao ritmo do calendário decretado pelo directório franco-alemão.
A crise da moeda é basilar sobre o estado lastimoso europeu: os famosos mercados atacam-na e a União tem sistematicamente trocado a capacidade de acção pela da reacção. Reage, reage tarde e a más horas, incapaz de apagar um único fogo.
Aqui chegados, adoptada uma posição muito umbiguista dos países mais desenvolvidos, a cimeira de chefes de Estado e de Governo marcada para hoje em Bruxelas - na sequência de sucessivos falhanços na adopção de políticas de combate à crise sistémica instalada a partir dos chamados países periféricos - vai ser capaz de adoptar efectivas políticas para estancar o definhamento? Mais do que isso: o princípio de solidariedade na Zona Euro sairá reforçado ou, pelo contrário, aprofundar-se-á o federalismo à custa de perda de soberania dos mais fracos, não graças ao essencial do conceito mas por estado de necessidade?
A degradação civilizacional da Europa não será irreversível - mas anda perto. Os países mais depauperados, como Portugal, serão com certeza os primeiros a almejar uma solução no conclave de hoje em Bruxelas, de preferência resguardando-se debaixo do chapéu-de-chuva garantístico dos mais fortes, embora igualmente cada vez mais cambaleantes - o crescimento económico é uma quimera e a Europa espraia dificuldades ao nível planetário, ao ponto do guru Nouriel Roubini ter ontem previsto a existência de mais de 50% de possibilidades de recessão no próximo ano nos países desenvolvidos.
A cimeira de chefes de Estado e de Governo marcada para hoje é, pois, crucial para a generalidade da Europa. O todo não se safará se for incapaz de travar os actuais desmandos - a começar pelos desmandos dos choramingas países periféricos.