Se já vivíamos em tempos de incerteza, como qualificar este tempo? Uma incerteza existencial: há pouco no passado que nos ajude a lidar com o presente e a informação do presente diz-nos pouco sobre o futuro.
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É impossível saber se a decisão de reabrir a economia e a sociedade se vai revelar acertada. Mas temos obrigação de tomar as melhores decisões mesmo quando temos dúvidas se serão as decisões certas.
Se por um lado, epidemiologicamente, muitos cientistas mantêm reservas sobre se o grau de propagação do vírus já permite levantar o confinamento, por outro lado, tal parecia inevitável, em função da pressão social decorrente, seja do agravamento da economia, seja da simples incapacidade humana de permanecer tanto tempo confinado. Passamos de um estado de confinamento para o que poderíamos designar de socialização responsável (exemplificado pela substituição da proibição de sair de casa pelo dever cívico de limitar os contactos).
Retomam-se atividades que dependem ou promovem a socialização, mas apostando num comportamento individual que diminua os riscos dessa. Para que o comportamento individual seja socialmente responsável é fundamental comunicar claramente, com antecedência e de forma consistente. A antecedência foi pouca, clareza parece existir, quanto à consistência veremos. Os primeiros sinais não são bons. A manifestação do 1.º de Maio pode ter colocado as pessoas a quatro metros de distância na encenação fotográfica. Mas quem acredita que aquelas pessoas não se cruzaram ou vieram e partiram juntas daquele cenário? A consistência é fundamental para assegurar a eficácia destas medidas e a sua credibilidade junto dos cidadãos.
O futebol é um bom exemplo. Por um lado, há quem pareça entender que concluir o campeonato é uma cedência aos caprichos do futebol. Mas, sem publico, o futebol não apresenta mais riscos que outras atividades económicas em que os trabalhadores têm algum contacto entre si. E face ao seu valor económico e social, parece uma decisão equilibrada e consistente com o permitido a outras atividades. O risco é outro: é a promoção de milhares de ajuntamentos entre adeptos para ver os jogos.
Não faz sentido proibir mais de 10 pessoas juntas e depois criar incentivos para que isso aconteça por todo o país... Para o evitar, será fundamental encontrar forma de transmitir os jogos em sinal aberto. Senão, aquilo que se limita de um lado promove-se do outro. Será como na manifestação da CGTP: é o distanciamento social para a fotografia em que ninguém acredita, conhecendo como funcionamos socialmente. É isto que o Estado não pode promover, sob pena de diminuir a credibilidade, e com isso a eficácia do dever cívico cujo cumprimento solicita aos cidadãos.
Professor universitário