É impossível ficar indiferente perante imagens como a de dezenas de carrinhos de bebé vazios, alinhados em Lviv numa homenagem às crianças mortas na guerra. Como é inevitável o calafrio sentido perante a brutalidade de notícias que mostram civis atingidos, hospitais virados do avesso, o horror que se desenrola à vista do mundo.
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Essa dureza crua de uma guerra que nos chega em direto, aliada à proximidade e ao facto de ter sido posta em causa a conceção europeia de liberdade e segurança, ajuda a explicar os movimentos espontâneos e as cruzadas de tantos que se dirigem às regiões de fronteira com a Ucrânia para resgatar famílias.
Há, contudo, evidentes riscos nas respostas emotivas, sobretudo envolvendo crianças. Desde logo logísticos, sendo reportados problemas na gestão de bens, desajustamento em relação às necessidades ou custos acrescidos no transporte. Pior do que isso, o perigo de descontrolo no acompanhamento de menores e de aproveitamento por redes de tráfico humano. Não é ficção, é um fenómeno documentado e que se regista ciclicamente em situações de catástrofe, seja ela natural ou causada por conflitos armados.
Em Portugal, sucedem-se os apelos do Governo e das ONG para que os movimentos da sociedade civil sejam sinalizados às autoridades. Mas o problema é internacional. Representantes da Unicef, da Cruz Vermelha, do ACNUR e do Comité de Emergência (uma aliança de seis organizações humanitárias) desaconselham ações de solidariedade sem coordenação com entidades experientes ou canais oficiais. A mobilização é "comovente", disse a presidente do Comité, mas sem coordenação pode ser "ineficaz".
É natural querermos agir, mas a ação tem de ser pensada num plano que excede a emotividade. A solidariedade não pode ser amadora, ou arrisca-se a incorrer em desperdício de recursos e de energias e a não beneficiar aqueles a quem se destina. É preciso, além disso, persistir após esta fase imediata e trabalhar o que nos enforma para além dela. Que, depois da avalanche, subsista a firmeza de olhar os outros nas suas necessidades. Percebendo que o acolhimento e a solidariedade não são um momento, mas uma forma de ser sociedade. E que desta crise fique a noção plena dos valores que escolhemos, sem hesitar no lado da integração, tolerância e respeito pelas diferenças.