O Governo irlandês anunciou esta semana a intenção de regressar aos mercados sem a proteção de qualquer programa cautelar de transição, o que significa que recuperou integralmente a sua soberania. Em Portugal, esta notícia tem suscitado alguma preocupação pelo facto de termos perdido aquele que era, em simultâneo, o farol e o comparador. Tal como no ciclismo, é sempre útil ir na roda do corredor líder, porque é este quem corta o vento e quem arrisca na escolha das trajetórias, de forma que o esforço e o risco do seguidor são muito atenuados.
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Se é verdade que o estatuto de farol da Irlanda nos era vantajoso, também é verdade que não fizemos jamais uma leitura detalhada das razões pelas quais esse pequeno país liderava o grupo dos resgatados. O melhor que a ministra das Finanças encontrou para reagir a esta espécie de contrariedade foi sugerir que, a sete meses do fecho do programa de assistência, não faz sentido descartar a possibilidade de Portugal seguir o caminho da Irlanda, isto é, saltar para os mercados sem programa cautelar.
É desconcertante a difusão das mensagens oriundas do Governo, com diversos ministros a disparar em direções opostas, como se não houvesse um general. Passos Coelho tem enfatizado suficientemente que a questão está nas mãos do Tribunal Constitucional, sugerido mesmo que um chumbo das principais medidas nos empurraria para um segundo resgate. Rui Machete, o antidiplomata, puxou da sua douta sapiência em matérias financeiras, quiçá adquirida na luxuosa gestão que protagonizou na FLAD, e fixou a fasquia da salvação numa taxa de juro de 4,5% para empréstimos a 10 anos. Por fim, Maria Luís Albuquerque salta para o extremo oposto e cria a miragem de que podemos simplesmente prescindir de um programa de transição.
Vale a pena aqui recordar que a Irlanda financia atualmente a sua dívida a 10 anos a uma taxa de 3,55%, abaixo inclusivamente das taxas a que se financiam Espanha e Itália nas mesmas maturidades. E que Portugal, que a certa altura antes do verão parecia ter acalmado os mercados, teve em Paulo Portas o grande responsável por uma crise política que fez subir de novo os juros, os quais agora se mantêm teimosamente na zona dos 6%!
O que faz então a diferença entre Portugal e Irlanda? Esta é a questão que se impõe e que exige certamente uma resposta longa e detalhada, que obviamente não cabe nas linhas desta crónica. Mas interessa sinalizar um par de diferenças, para se perceber por que razão eles vão e nós ficamos.
A Irlanda atravessou um período muito difícil, de grande austeridade. Reduziu funcionários públicos, cortou salários, viu a sua dívida pública disparar, tudo a troco dos 85 mil milhões de euros que refinanciaram uma Banca inundada em ativos tóxicos. Contudo, não esqueceu a dimensão económica do exercício, percebendo que sem criação de riqueza não há bolo para distribuir. Há dois anos desceu o IVA da restauração e turismo de 13,5% para 9%, para estimular o crescimento, estimando-se que a medida gerou 15 mil empregos. Criou para os anos de 2014 a 16 um novo imposto sobre a Banca que renderá 150 Meuro por ano. Reduziu a zero as taxas sobre o transporte aéreo a partir de abril de 2014, de forma a estimular a criação de novas rotas de e para a Irlanda. Mantém a taxa de IRC nos 12,5%, muito competitiva para a atração de investimento. São medidas que estão nos antípodas daquelas que por cá se adotam, como bem o demonstra o Orçamento do Estado para 2014.
Há ainda uma razão de fundo que os governantes portugueses sempre ignoram: a educação. Na Irlanda, 75% da população dos 25 aos 64 anos completou o Ensino Secundário; em Portugal, essa percentagem fica-se pelos 38%, metade portanto. Na Irlanda, a taxa de abandono precoce da educação é de 10%; em Portugal é de 21%, o dobro portanto.
A "sorte" da Irlanda reside, tão simplesmente, em políticas de crescimento e dinamização da economia e numa população e força de trabalho educadas e preparadas, justamente o que faz com que dois milhões de ativos irlandeses produzam tanto como cinco milhões de ativos portugueses.