A sustentabilidade do SNS também se decide com farmacêuticos
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O Serviço Nacional de Saúde (SNS) é uma das maiores conquistas da democracia portuguesa. Representa o compromisso de garantir que ninguém será deixado para trás perante a doença e de que o acesso aos cuidados de saúde é um direito de todos, não um privilégio reservado a alguns. No entanto, este compromisso coletivo enfrenta atualmente uma crise profunda, não apenas de natureza financeira, mas também estrutural e de confiança.
A despesa em saúde tem vindo a crescer todos os anos. Só o SNS representa mais de 16 mil milhões de euros anuais, grande parte dos quais é destinada a salários, medicamentos e serviços externos. Ainda assim, persiste a perceção de ineficiência: mantêm-se as listas de espera, as falhas de coordenação e o desperdício de recursos. Falta, talvez, uma ideia simples, mas essencial, a de que a sustentabilidade do SNS não depende apenas de mais financiamento, mas também de uma gestão mais eficiente dos seus recursos humanos.
É neste ponto que o farmacêutico pode assumir um papel fundamental: é um profissional que compreende bem a fronteira entre a ciência e a economia, entre o medicamento e o sistema que o financia. No entanto, o seu contributo tem sido, historicamente, discreto. Num momento em que o SNS precisa de ser repensado, o farmacêutico pode, e deve, ser um dos protagonistas dessa transformação, contribuindo de forma decisiva para um sistema de saúde mais sustentável e eficiente.
Nos hospitais, o farmacêutico é o guardião da racionalidade terapêutica. Trabalha muitas vezes nos bastidores, mas o seu impacto reflete-se em cada decisão clínica. É ele quem prepara terapêuticas individualizadas, avalia interações medicamentosas, ajusta doses, propõe alternativas mais seguras e assegura que cada tratamento é simultaneamente eficaz e sustentável. Um erro de medicação pode custar uma vida e centenas de milhares de euros ao SNS. Um farmacêutico vigilante pode evitar ambos. Cada medicamento poupado, cada reação adversa prevenida, cada dia de internamento encurtado é uma vitória silenciosa. Uma vitória que raramente surge nas estatísticas, mas que mantém o SNS de pé. Importa também reconhecer o papel crescente do farmacêutico na desprescrição, um processo essencial para reduzir a polimedicação, melhorar a segurança dos doentes e diminuir custos associados a terapêuticas desnecessárias. Ao identificar e descontinuar medicamentos sem benefício comprovado ou potencialmente prejudiciais, o farmacêutico contribui para um uso mais racional e sustentável dos recursos em saúde.
Nas farmácias comunitárias, o farmacêutico é o rosto mais próximo do cidadão. É ele quem escuta, explica e acompanha. Muitas vezes, é o primeiro a detetar que um doente deixou de tomar a medicação, que está a usar fármacos incompatíveis ou que precisa de ajuda para compreender o seu tratamento. Este acompanhamento diário, feito com uma naturalidade que só a proximidade permite, tem um impacto clínico e económico que o país ainda não valoriza como devia. Um doente bem acompanhado adere melhor à terapêutica, adoece menos e, consequentemente, recorre menos aos serviços hospitalares. Além disso, os farmacêuticos comunitários podem aliviar significativamente as urgências do SNS através da dispensa protocolada de medicamentos e da prestação de cuidados farmacêuticos em situações clínicas ligeiras, como pequenas infeções respiratórias, reações alérgicas, dores ligeiras ou pequenas feridas. Ao tratar localmente estas situações, evitam-se deslocações desnecessárias aos serviços de urgência, permitindo que estes se concentrem nos casos realmente graves. Prevenir custa sempre menos do que tratar, e o farmacêutico é um dos rostos mais eficazes dessa prevenção.
A transição digital em curso no SNS oferece novas oportunidades para que os farmacêuticos contribuam para a sustentabilidade do sistema. O cruzamento de dados de prescrição, dispensa e dados clínicos pode gerar informação valiosa para avaliar o verdadeiro impacto das terapêuticas. O farmacêutico, com a sua formação em farmacologia e farmacoeconomia, está particularmente preparado para interpretar esses dados e transformá-los em políticas de uso racional do medicamento. É um papel que combina ciência e estratégia e que pode ajudar o governo a investir onde o benefício é maior e o desperdício menor. Mas a intervenção do farmacêutico vai além do medicamento. Nas comissões hospitalares, nos cuidados primários ou na regulação nacional, a sua presença técnica é fundamental para garantir que cada euro gasto gera valor real em saúde. O farmacêutico pode, e deve, participar ativamente na negociação de preços, na avaliação de tecnologias de saúde, na monitorização de custos e na implementação de terapêuticas baseadas em resultados. É esta combinação de conhecimento científico e visão estratégica que torna o farmacêutico indispensável a qualquer sistema de saúde moderno.
A verdade é que o SNS não precisa de mais discursos sobre "contenção de custos". Precisa de inteligência na gestão dos recursos. E essa inteligência está, em parte, nas mãos de quem compreende a terapêutica de forma global, com consciência clínica e económica. Valorizar o farmacêutico não é uma questão corporativa; é uma questão de visão. É compreender que a saúde sustentável nasce do equilíbrio entre inovação, segurança e responsabilidade.
Num tempo em que o futuro do SNS se discute com tanta intensidade, é essencial reconhecer que a sustentabilidade depende também de dar mais espaço e mais voz a quem, há muito, tem nas mãos as ferramentas para o manter vivo.
Sustentar o SNS é, antes de mais, um exercício de inteligência coletiva. Requer investimento, mas também visão e humildade: a consciência de que a saúde não se constrói isoladamente, mas no cruzamento de saberes, experiências e responsabilidades partilhadas. O farmacêutico é uma dessas forças silenciosas. O futuro do SNS depende da capacidade de integrar perspetivas, de articular o conhecimento científico com a prática clínica e de reconhecer em cada profissão um contributo indispensável para o bem comum. Se quisermos um SNS sólido e duradouro, precisamos de fortalecer essa cultura de cooperação, onde cuidar é também um ato de partilha e de confiança mútua.

