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Um partido foi alvo de buscas espectaculares por parte de centenas de magistrados da PGR, agentes da PJ e eventualmente outros dotados da qualidade de órgãos de investigação criminal, como inspectores tributários e aduaneiros. Estes são os órgãos formais, digamos assim. Depois existem os órgãos informais, constituídos pelos órgãos de comunicação social. O que quer dizer que, nos órgãos formais de investigação, há informadores junto dos informais para garantir a exuberância mediática dos exercícios.
Todavia, e salvo em casos mais “pesados” pela notoriedade dos visados, normalmente ou perde-se o rasto da investigação, “em directo e a cores”, ou consomem-se anos e anos, entre procedimentos de um lado e do outro até à conclusão final. O que implica, para recorrer às palavras de António Costa, que sejam efectuados “julgamentos de tabacaria”. Foi assim que o primeiro-ministro e secretário-geral do PS, um dos responsáveis pela escolha política da actual Procuradora-Geral da República, se referiu ao caso das buscas a um partido, envolvendo um seu anterior líder.
Claro que recorreu ao jargão habitual, cínico e hipócrita, do “deixemos a justiça funcionar” ou o “à justiça o que é da justiça, e à política o que é da política”. Eu, que sou politicamente insuspeito quanto à figura de José Sócrates, por exemplo, sinto-me no direito e no dever de perguntar a Costa se, em certo sentido, Sócrates não tem andado a ser “julgado na tabacaria”.
E quem diz Sócrates, diz gente anódina ou anónima sem que Costa, vai para oito anos no Governo e no controlo político directo ou “remoto” da Assembleia da República, tivesse mexido uma palha para mudar o que quer que fosse na Justiça. Porque, apesar da separação constitucional de poderes, não tenho dúvidas que a deriva autoritarista do Estado central, onde o Governo é o órgão superior da administração pública, se estende a outras funções de soberania, como a administração da acção penal (PGR, PJ e órgãos de polícia criminal) e a administração da justiça (tribunais). Isto é tanto mais grave quando quem legisla é o Parlamento e o Governo.
Os outros aplicam, mal ou bem, os instrumentos jurídicos concebidos pela política. Um regime com quase cinquenta anos que não reforma o seu sistema eleitoral caduco e que não clarifica as relações dos partidos com órgãos do Estado (*) como o Parlamento, a causa directa deste caso, é um regime imperfeito enquanto democrático. Uma tabacaria, dr. Costa.
(*)Um livro por semana: “Os partidos políticos no direito constitucional português”, de Marcelo Rebelo de Sousa, Braga, 1983. “O partido político não é órgão de Estado, que o mesmo é dizer elemento integrante da organização do poder político do Estado”.
*Jurista
(O autor escreve segundo a antiga ortografia)