A TAP e o setor público – além da espuma dos dias
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O debate sobre a TAP voltou a estar na ordem do dia, confrontando a necessidade de privatização, para garantir escalabilidade, em oposição à manutenção do controlo de uma empresa estratégica, que tem sido combustível para lutas entre governos e oposições. A venda de 49,9% da participação do Estado é mais um acontecimento numa longa série de episódios. Mas será possível olhar para a TAP, para lá das lutas políticas, e retirar ilações para o resto do setor público?
Confesso que esta reflexão surgiu após assistir a uma palestra dada pelo atual presidente- executivo, Luís Rodrigues. Não é possível, para começar, pensar a TAP sem a enquadrar na indústria da aviação, marcada por altos níveis de endividamento e pela não recuperação dos custos de capital investido. Estes são desafios que se têm vindo a agravar, com a disrupção das cadeias de abastecimento e as mudanças ambientais exigidas, nas rotas e nos combustíveis.
Esta propensão para o endividamento faz-me avaliar negativamente a gestão do acionista privado, entre 2015 e 2020. Aumentaram-se despesas para valorizar a TAP no curto prazo, para revenda rápida, agravando uma situação de insustentabilidade. Um exemplo disso é que, em 2023, aquando da tomada de posse, o novo CEO deparou-se com centenas de horas vendidas de voos por executar. Isto não revelou apenas um desmazelo na gestão operacional - mas também uma cultura organizacional inexistente. Perante a falta de planeamento, Luís Rodrigues viu-se forçado a desenhar um plano focado nas reclamações, gestão de voos e rotas, salários e infraestruturas.
Ao ouvir a palestra, considerei o plano interessante. Por responder a uma preocupação basilar - planear a curto e longo prazo. Para crescer, a TAP necessita de uma cultura organizacional ambidextra. Isto é, que conjugue duas agendas: uma focada na eficiência e operações do dia a dia e uma focada em inovação e numa cultura aberta ao risco e incerteza.
As reflexões que enumero permitem-me pensar com maior amplitude. Sobre como o Estado pode ser mais empreendedor, criar mais sinergismos de mercado, sem descurar responsabilidades. Um Estado que apoie setores de alto valor acrescentado, assumindo riscos iniciais, mas com isso, alavancando investimento privado, com quem partilhe os benefícios. São ilações que, em parte, respondem à questão inicial - afinal, a gestão da TAP pode ser um espelho do modo como o Estado gere os seus ativos, e que caminhos pode tomar.