Chamando a si as negociações diretas do Orçamento do Estado com a oposição de Esquerda, António Costa decerto que terá presente o que pode o PS ganhar em caso de eleições antecipadas. E a tentação de deixar abortar as conversações será grande frente a um impasse intricado, que, a resolver-se, implicará um custo pesado na despesa pública. Com consequências diretas no Governo.
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São difíceis as exigências da Esquerda para deixar passar o OE no Parlamento. António Costa tem ensaiado um semblante aberto nas sucessivas declarações aos jornalistas, mas nas entrelinhas daquilo que diz evidencia-se a sua preocupação relativamente aos encargos financeiros das reivindicações. Porque o primeiro-ministro sabe que, fechada a votação, é ao Governo que serão pedidas (boas) contas e o balanço final da legislatura far-se-á sempre a partir dos resultados alcançados.
É certo que ninguém quer estar associado à responsabilidade de haver eleições antecipadas. O PM tem tido o cuidado de reiteradamente sublinhar que esta é uma crise que não quer. Os partidos de Esquerda também têm promovido algum afastamento dessas interpretações, assegurando que aquilo que agora se discute é "apenas" o OE. Não é. E PCP e BE sabem bem que é demasiado perigoso arriscar eleições precoces. Porque o risco de verem drasticamente reduzidas a sua bancada parlamentar e a sua relevância política é colossal. Mais à Direita, PSD e CDS, em disputa interna, também não estarão nas condições ideais para organizar uma campanha eleitoral em escassos meses. Neste contexto, o PS seria em teoria o partido mais bem colocado, cavalgando na vitimização. Costa, contudo, sabe bem que o aviso recebido nas autárquicas poderá ter sido uma antevisão de uma viragem à Direita. A chegada, a acontecer, de novos líderes traz um dos condimentos que surpreendem em eleições: a novidade.
Tudo se joga nos próximos dias, com o risco de ficar tudo igual. Se o OE passar, no próximo ano por esta altura cá estaremos para a dramatização do costume. A última desta legislatura. Se os partidos de Esquerda chumbarem o documento, haverá eleições. E a menos que um partido conquiste a maioria absoluta, lá reviveremos esta encenação que até poderia ser interessante não fosse o custo que isto implica para todos nós.
No quadro em que parece difícil haver governos maioritários, seria aconselhável fazer crescer a maturidade parlamentar a fim de que o país pudesse contar com um executivo para governar e uma oposição para escrutinar. Baralhar papéis é fazer recuar a democracia e afundar as contas públicas.
*Prof. associada com agregação da UMinho