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Em fevereiro de 1973, Fernando Tordo ganhou um Festival da Canção com uma música intitulada “Tourada”. A letra era do poeta José Carlos Ary dos Santos e a música do próprio Fernando Tordo. Lembro-me que, na época, as pessoas se interrogavam como tinha sido possível aquela música conseguir fugir ao exame prévio, o nome que Marcelo Caetano tinha dado à censura.
Cerca de um ano depois, o regime que Salazar personificou e que Marcelo não soube reformar caiu por força de um golpe daqueles que o suportaram durante 48 anos – as Forças Armadas. A letra era uma perfeita caricatura certeira do que se vivia em Portugal, na altura. Voltei agora a revisitar esta música porque, no último fim de semana, estive no Coliseu na homenagem a Fernando Tordo e ouvi essa música por duas vezes. Enquanto a ouvia olhava à minha volta e via muita gente que viveu aquele tempo e alguma que acompanhou a sua ressaca.
Dei por mim a pensar como aquela letra e aquela música estavam tão atuais. Não é só no panorama interno, mas também no panorama internacional. Com efeito, parece que estamos todos a viver uma verdadeira tourada onde não faltam nenhuns daqueles personagens que Ary convocou. Não faltam os profetas de um Mundo melhor e onde a paz não parece ser capaz de afastar a guerra. Não faltam os arautos que tentam pôr Portugal em ordem e o Mundo quieto. No entretanto, o que temos? Pessoas que procuram ambicionar liderar um país sem terem para tal competências técnicas, morais e éticas.
Todos nós sabemos como acreditar em homens providência tem, por vezes, custos que são superiores para o benefício da sociedade. Foi assim com qualquer ditadura e parece ser importante evitar que as democracias sejam corridas por dentro por mecanismos de corrupção ou por comportamentos onde a ética seja de duvidosa avaliação.
Nas próximas eleições vamos ter de saber distinguir estes comportamentos éticos pouco transparentes e acreditar que as instituições vão continuar a saber funcionar e manter o consequente escrutínio que é necessário para a vitalidade democrática.
Hoje percebemos que ninguém está acima de qualquer tipo de escrutínio. Desde os órgãos de soberania: Governo, presidente, Parlamento e juízes até à Comunicação Social ou instituições de utilidade pública, todos temos de ter consciência de fazer um esforço de transparência que permita à opinião pública compreender certas iniciativas.
Para tal, também será necessário fazer o escrutínio dos interesses da opinião publicada e também dos comentadores que vão marcando presença nos vários meios de Comunicação Social.
Tal como então, também corremos o risco de ter um inteligente que nos procura dizer que acabaram as canções, ou seja, a nossa liberdade de pensar e ousar pensar pode estar em crise.