Gilles Zeitoun. Apaixonado pela alfaiataria, este investidor decidiu, há cerca de um ano, abrir no Porto uma confecção para fatos destinados aos mercados da alta moda internacional. Empregando 50 pessoas, o sucesso do projecto poderá levar à duplicação do emprego. Porquê escolher Portugal e, em particular, o Porto? Não houve nenhum incentivo especial. Foi aqui que encontrou as pessoas com o saber fazer que já não existe no resto da Europa. Sabem da arte, como antigamente se dizia. Artesãos. Artistas.
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Lembrei-me deste caso quando li, no "Financial Times", que os líderes de algumas das mais importantes casas de artigos de luxo europeias se queixavam de que rareavam, cada vez mais, as pessoas com as competências para manufacturar esse tipo de produtos. Manufacturar. Como o tempo e as circunstâncias nos podem fazer perder o sentido etimológico das palavras! Como facilmente se depreende, na origem da palavra está a ideia de fazer à mão.
Também por cá vão escasseando os que ainda sabem estas artes. Dizem-me até que já ninguém quer ser costureira. Ou que só aceitam sê-lo se se lhe der um nome mais modernaço do género "operador de máquina de costura". Mas é óbvio que os baixos salários também não ajudam.
Não obstante, Gilles Zeitoun ainda encontrou, na Região do Porto, quem sabia fazer o que aos outros já havia esquecido. Presumo que lhes terá pagado o suficiente para os atrair. Ciente de que a expansão se poderia confrontar com a escassez da mão-de-obra qualificada (sim, qualificada!), dispunha-se a criar uma escola de alta alfaiataria. Em França, as empresas da área do luxo queixam-se de que não encontram quem tenha o saber fazer tradicional. Incentivam os políticos a desenhar políticas que estimulem o renascimento dessas actividades. Estão dispostos a pagar por isso. Bem. Por cá, ainda há quem saiba da arte. Paradoxalmente, muitos estão desempregados. Mais correctamente, desempregadas. Com grande dificuldade em encontrar emprego. Mesmo com salários muito baixos, são caras quando comparadas com o que se paga na China, Índia ou Vietname. Mas isso é num modelo de fabrico em série, em que o que conta são as economias de escala, em que não temos qualquer hipótese de competir. História diferente é quando se trata de produtos por medida, de preço elevado, em que o custo da mão-de-obra se dilui e em que a proximidade ao centro de criação, e ao cliente final, são decisivos. Pergunto, então, não seria de aproveitar a oportunidade e de posicionarmos Portugal e, em particular, o Norte como um centro de competências para a manufactura destes produtos de luxo? As condições logísticas para as cidades do centro da Europa são razoáveis. Ainda temos o saber, mais a mais em pessoas que não encontram emprego. Em vez de gastarmos dinheiro a ensinar-lhes outros ofícios, melhor seria que apurássemos o que já sabem. Às vezes, as soluções podem estar mesmo debaixo do nariz. A ousadia política, neste caso, passa por valorizar a tradição.