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Escorraçado do "Paraíso do Gelado", uma geladaria assética onde se envolvera com as empregadas, João de Deus sentencia-lhes na cara: "Não são vocês que me expulsam, sou eu que vos condeno a ficar".
A frase, atribuída ao nosso João César Monteiro, no seu filme "A comédia de Deus", soa a profecia grega, quando faltam poucas horas para o provável desenlace no longo braço de ferro entre os credores europeus e a Grécia.
Amanhã é dia de jogo de todos (27) contra um, com Portugal e Espanha na função de pontas de lança, capitaneados pela Alemanha. Os chefes de Estado e de Governo da União Europeia reúnem-se em Bruxelas com um objetivo: conseguir quebrar a resistência de Atenas e alcançar um acordo que permita desbloquear uma nova fatia de 7,2 mil milhões do empréstimo que resultou do segundo resgate, para que o Governo de Tsipras tenha dinheiro para pagar salários e cobrir as despesas públicas em julho, e ainda saldar mais 1,6 mil milhões da dívida ao FMI até ao último dia deste mês.
A corda esticou até ao limite e meio mundo divide-se sobre as consequências de uma eventual saída da Grécia da Zona Euro. Uma coisa é certa: ainda que formalmente o veredito caiba ao Conselho Europeu, uma vez escutado o Eurogrupo, a última palavra há de caber à senhora Merkel.
No ouvido direito de Angela soarão as vozes dos que, como Schäuble, seu ministro das Finanças, a aconselham a deixar cair a Grécia. Do outro lado, ecoarão os avisos dos que, como Obama, temem que a Europa dinamite a recuperação económica e, pior, abra o flanco a perigosos desequilíbrios geopolíticos numa esquina do mapa, que vai da Ucrânia à Líbia, já suficientemente convulsa.
Sim, é toda a arquitetura europeia, erguida sobre os escombros da última guerra, que está em causa. Mas também a democracia. Porque de um lado continua uma Europa servil perante mercados sem rosto, mas arrogante face aos que têm a infeliz ideia de invocar a soberania nacional. Enquanto do outro lado está um povo condenado à pobreza, e um Governo exótico, eleito há meio ano, vinculado às suas promessas eleitorais, e que não se sente bem a cobrar a pensionistas uma dívida que cresceu na conivência entre agiotas internacionais e políticos e especuladores locais.
Aprendemos de Heródoto, pai da História, quanto repugnava aos gregos que os bárbaros se ajoelhassem diante dos mais fortes. Mas, claro, ouvimos por aí dizer que a Grécia não tem nada a ver com Portugal. Por cá, aliás, até já eliminámos o Dia da Independência da lista de feriados.