Corpo do artigo
O Governo - perdão, a troika - aprovou ontem, em Conselho de Ministros, uma nova Lei do Arrendamento. Numa casa onde não há pão e todos ralham e têm razão (sim, é propositada a inversão do ditado), impossível seria esperar consonância de posições na apreciação formulada por senhorios e inquilinos ao enquadramento agora anunciado.
Se há área na qual a caracterização do país mudou nas últimas décadas foi, claramente, a do imobiliário - e nem sempre pelas melhores razões.
Instigados por uma banca ávida de negócio e pronta a conceder crédito fácil, os portugueses transformaram-se num dos povos mais (pseudo) proprietários de habitação da Europa. A construção civil esfregou as mãos de contente à febre de casa nova e os cidadãos ficaram amarrados até serem muito velhinhos a empréstimos bancários; tolhidos nos movimentos, mesmo para mudar de local de trabalho. Claro: a contrapartida a uma tal explosão de facilidades fez-se pela completa desactualização da lei das rendas e cuja consequência não podia ser outra: conforto de quem dispôs de rendas baratinhas mas, simultaneamente, degradação do parque urbano e das condições de habitabilidade por não terem os senhorios hipótese de fazer obras nas fracções de que são proprietários ou, noutra via, por não funcionarem os mecanismos de contratualização e estarem sujeitos a aturar um inquilino caloteiro durante anos.
Um tal "cocktail" tinha - tem - um balanço nefasto. Agravado, como é evidente, pela crise económica, o aumento das taxas de desemprego e a incapacidade de milhares de portugueses continuarem a cumprir as suas obrigações junto da Banca.
Ano após ano, sucessivos anúncios de mudanças na Lei do Arrendamento não passaram de um naipe de boas intenções. De promessa em promessa e num braço-de-ferro das várias forças em presença.
A Reforma do Arrendamento Urbano chancelada pelo Governo surge, como é evidente, num dos piores períodos. As políticas restritivas - e recessivas - poderiam dispensar por algum tempo mais o agravamento de rendas anteriores a 1990. Se não fosse o estado caótico das finanças do país, as actuais circunstâncias deveriam apontar, até, para um período de mais compreensão, não obstante o regime agora aprovado acautelar a situação dos menos favorecidos.
Há, porém, um caminho inexorável a enfrentar: o da necessidade de ajustar a economia a novos tempos - aguardando-se a hipótese de também por via de novos mecanismos e garantias ser possível aumentar, por um lado, a mobilidade dos cidadãos, a dinamização do parque habitacional de aluguer e, já agora, o restauro de milhares de edifícios degradados, um pouco por todo o país, registando-se panorâmicas de autêntica ruína.
Por agora, sobram as expectativas sobre a dinamização do mercado do arrendamento a médio prazo, corrigindo-se erros duradouros e para os quais, pelos vistos, só a imposição externa encontra remédio. Interessante: no documento ontem apresentado, refere-se ser a reforma apresentada "um compromisso do Programa do Governo", acentuando-se a seguir: "e está no memorando assinado com a troika". Não fosse a troika...