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A minha filha mais nova está de férias, mas não pára de falar do primeiro dia de escola. Não admira, em setembro começará a primária e está nervosa por ainda não saber ler como o irmão. Tem desenhado em cadernos que não duram uma semana. Os mesmos rabiscos que eu fazia na idade dela. E todos os irmãos, com mais e menos jeito, magicavam as mesmas linhas no papel. Pintavam da mesma maneira. Aventuro-me a escrever que quem me está agora a ler... sim tu... também desenhava casas com chaminés num telhado em bico, mais as janelas e uma porta, nuvens e um sol eternamente risonho e uma árvore com folhas caídas ou a nascer. Ou quando brincávamos com legos ou às casinhas. Lembras-te?No mais íntimo de cada um existe uma casa. Um espaço nosso, um lugar que sai de nós, de uma imaginação que ainda não sabíamos poder ser fértil. É qualquer coisa profundamente enraizada no fundo do que ambicionamos, porventura associamo-la à proteção, ao conforto, ao medo de podermos não caber no desenho. É por isso que não existe um tema político mais decisivo do que a habitação. Do que as casas. Do que a falta delas quando nunca houve tanta procura. Do que o preço proibido que afasta a classe média de Lisboa e do Porto, mas também de Braga e Guimarães, de Aveiro e de Leiria, de Setúbal e de Faro. Que afasta os que acreditavam que a segurança seria para sempre, gente que desenhou casas com telhados e um sol sorridente, mas que afinal está condenada ao pesadelo de um futuro de subúrbio.