A cimeira europeia não contribuiu para acalmar os mercados. Infelizmente, não basta definir regras e impor regulamentos se não houver uma solução que garanta a liquidez do sistema financeiro. Enquanto isso não acontecer, a Europa continuará a fazer, todos os dias, um passeio pela borda do precipício, como dizia José Maria Aznar há dias.
Corpo do artigo
Entende-se a preocupação dos alemães, que não querem passar um cheque em branco aos outros países da zona Euro. Afinal, poder-se-ia perguntar aos portugueses que tanto os criticam, se estariam disponíveis para fazer isso à RA da Madeira. O drama é que o problema já não se resolve, apenas, com uma harmonização orçamental, ainda por cima num calendário indefinido, se não houver um instrumento que garanta liquidez. Liquidez essa necessária para impedir o fim do Euro e indispensável para que o crescimento económico seja mais do que uma mera intenção.
Acresce, ainda, que a harmonização orçamental, imposta aos países do Sul, dificilmente perdurará se, porventura, as suas dificuldades tiverem uma repercussão mimética nas economias mais ricas do Euro. O que aliás parece inevitável, e o que já é anunciado pelas agências de rating. Ninguém esquece que foram os alemães e os franceses os primeiros a violarem o pacto de estabilidade e crescimento, sem terem arcado com as consequências desse incumprimento. Por isso, os mercados suspeitam que a rigidez orçamental que se pretende impor não é uma regra de ouro, e percebem que ela será alterada se, porventura, surgirem problemas com a economia alemã ou francesa.
No fundo, aquilo que ficou patente, nesta cimeira, é que a Europa deixou de ser solidária. É certo que só Cameron teve a coragem de dizer com clareza que foi à cimeira para defender os interesses britânicos, mas nem por isso o deixaram de fazer, ainda que com tácticas diferentes e com um discurso mais opaco, a chanceler Merkel e o Presidente Sarkozy.
Na verdade, o Tratado de Lisboa está caduco e nunca saiu do papel, porque a Europa não conseguiu assumir a liderança tecnológica que era pretendida, como única forma de contrariar a perda de competitividade face à novas economias. Não havendo uma estratégia alternativa, e não sendo a boa "governance", só por si, um remédio eficaz, resta aos europeus assumirem a perda do poder de compra, da sua qualidade de vida, do seu sacrossanto Estado Social.
Infelizmente, esse caminho não é propício a uma solução federal ou, sequer, a uma maior integração. É antes "o caminho das pedras", ou o "salve-se quem puder". E, na medida em que esse caminho não é, naturalmente, do agrado do eleitorado, assiste-se, agora, à "tecnocratização do poder". Veja-se, a propósito, o caso do governo da Grécia e, mais recentemente, do novo governo italiano, que resultam, apenas, da vontade explícita e comum aos partidos políticos desses países não se comprometerem com uma governação "de guerra", que tem de tomar medidas impopulares e de emergência, ou a forma como o PS finge discordar das medidas que acordou com a Troika.
Os portugueses têm bem fresca essa memória, da chegada ao poder dos tecnocratas para resolverem o problema da bancarrota. A questão é que um dia destes, e por este caminho, eles vão ter de tomar medidas que não são aceitáveis pelo cidadão comum. E quando isso suceder, quando a crise económica e financeira, passar a ser, também, social e política, como aconteceu nos anos 30 do século passado, quando os tumultos impedirem as medidas de emergência, quando não houver mais furos no cinto do povo, ficaremos a um passo da suspensão das liberdades e da própria democracia. E um passo ainda mais à frente, este cenário, que inevitavelmente nos espera se o Euro cair e se a Europa se esboroar, terminará, a acreditar na história, no fundo do precipício. O ambiente de tolerância em que vivemos acabará, os nacionalismos irão aos poucos reaparecer, e voltarão a soprar os ventos de guerra, como sempre aconteceu em épocas idênticas neste nosso envelhecido e disparatado continente.