No dia seguinte à derrota no Mundial frente à Espanha, à custa de um golo ilegal, Portugal ripostou, e derrotou as pretensões da Telefónica à aquisição de parte do capital que a PT detém na Vivo. Resta saber se esta vitória não terá sido, também, conseguida de forma ilegal. Ao contrário do que acontece no futebol, há recurso das questões relativas ao poder de ingerência do Estado nas empresas privatizadas, e as dúvidas manifestadas pela União Europeia sobre a legalidade das "golden share" só serão dissipadas dentro de dias, quando o Tribunal Europeu proferir a sua sentença, razão pela qual os espanhóis alargaram o prazo da sua oferta.
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Seja qual for o desenlace, o veto do nosso Governo nada tem de inédito. No espaço europeu, se excluirmos o Reino Unido, o proteccionismo é uma tradição que tem resistido à livre circulação de capitais. Por isso, não nos devemos comover com as pressões espanholas, porque se sabe como os nossos "hermanos" têm sabido proteger os seus sectores estratégicos da cobiça alheia.
Mas, a decisão do Governo de recorrer ao seu direito especial, numa decisão consensual entre as principais forças políticas mas que contraria a esmagadora maioria do voto accionista, levanta outras questões. Prova disso é que o primeiro-ministro se viu obrigado a explicar as razões do veto num invulgar artigo de opinião. Entende Sócrates que a presença da PT no capital do principal operador brasileiro é fundamental para a economia portuguesa porque, sem a sua participação estratégica na Vivo, a PT deixaria de ter dimensão internacional. Por outro lado, entende que o Estado se limitou a defender os seus interesses, no âmbito dos estatutos que são conhecidos pelos outros accionistas, e que, por isso, os direitos destes não foram atropelados. Ora, ainda que os accionistas conhecessem esse ónus, também sabiam que a venda da participação poderia ter sido tomada pela Administração da PT se esta não tivesse, a bem dos princípios da corporate governance, optado por deixar que fossem os accionistas a decidir. Além do mais, Bava afirmara que a "golden share" não poderia ser usada neste caso.
Há pois uma divergência entre o Governo e a Administração da PT, que resulta de um conflito de interesses entre o Estado e a maioria dos outros accionistas e, em particular, com os seus tradicionais aliados no núcleo duro que tem controlado a empresa. Ambas as partes têm legítimos interesses próprios: se o Estado privilegia o interesse nacional, à luz do entendimento estratégico do Governo, já para os privados esta operação (que representa 90% do valor bolsista da PT) é apetecível, pois permite um irrecusável encaixe; enquanto para o Estado, a PT tem um interesse estratégico de longo prazo, para os privados esta é uma mera oportunidade de negócio.
Creio que a origem do problema está na própria figura da "golden share", que é um mecanismo desadequado de intervenção.
Tudo seria diferente se o Estado controlasse, directamente, ou através da CGD, a maioria do capital da PT.
Mas, enquanto a "golden share" existir, e não for eliminada, seja por decisão nacional ou por imposição europeia, é nestas circunstâncias que deve ser utilizada, e compreendo que o Estado tenha recorrido a ela em último recurso quando se apercebeu que os outros accionistas iriam optar pela venda. Infelizmente, e qualquer que seja a decisão de Bruxelas, a consequência deste caso é óbvia: é que o nosso mercado financeiro fica sob suspeita, ainda mais fragilizado e menos capaz de cativar o interesse dos estrangeiros.