Na impossibilidade de mudar de povo os críticos dos "reality shows" nas televisões deviam valorizar um facto: tais programas permitem-nos ficar a saber como não se deve ser. E estar.
Corpo do artigo
Este não é ano de excepção: na aproximação ao Outono as televisões estreiam novas grelhas de programas. Os registos diferem consoante os públicos- -alvo. E o fito, claro, é só um: disputar audiências e, por via delas, quotas do rarefeito e desregrado mercado da publicidade.
Apesar do fortalecimento das audiências da televisão por cabo, graças à especificidade, continuam a ser os canais em sinal aberto a concitar mais atenções e, no somatório, a deterem a primazia da preferência dos portugueses. Razão bastante para merecerem a profusão das críticas.
Se ao nível da informação esta segunda-feira serve para mudanças de cenário e de conteúdos (exemplos: a RTPN rebaptiza-se como RTPI e apimenta a novidade com "Justiça cega?", programa de debate entre Marinho e Pinto, Rui Rangel e Moita Flores, enquanto na TVI24 surge a maledicência lúcida de Medina Carreira em "Olhos nos olhos"), é no entretenimento em "prime time" que se coloca o foco principal.
A TVI pôs ontem em antena a primeira gala de uma nova série da "Casa dos segredos"; na SIC ultima-se a segunda série de "Peso pesado" e a RTP1 avança para "A voz de Portugal". Ora, o que têm em comum estes programas? Pouco ou nada de instrutivo; alguma ilusão para almas sedentas de protagonismo e de uns milhares de euros; e muitíssimo "voyeurismo", ou não fosse o espreitar a casa do vizinho pelo buraco da fechadura uma característica irresistível do ser humano.
Como é da praxe, perante um "cocktail" assim, adivinham-se para os próximos tempos críticas virulentas, saídas de muitos cérebros incapazes de perceber a impossibilidade prática de o país mudar de povo e sem maleabilidade para retirarem ilações positivas deste tipo de "entretenimento".
Se se adoptar o posicionamento politicamente correcto, a frivolidade e a bisbilhotice da vida alheia não são de todo recomendáveis. Certo. Mas ambas as circunstâncias, revestidas de irreversibilidade, podem e devem ser encaradas também segundo um prisma positivo.
Por um lado, perante as angústias da actual sociedade, matraqueadas até à exaustão, em notícias ou comentários moldados por algum quê de sadomasoquismo, o povo precisa (e merece) de refugiar-se em momentos de alguma descontracção. E não lhe faz mal seguir o pior dos programas, desde que disponha de sentido crítico. O concorrente mais estúpido, bronco, tonto ou analfabeto é de enorme utilidade. Serve para exemplificar como não se deve ser...
É mesmo isso: fique atento e verifique numa pantalha perto de si como há uns trastes prontos para tudo. Até para se tornarem em anedotário nacional.