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A metáfora de plástico que António Costa entregou esta semana à ministra Maria Leitão Marques na forma de uma vaca voadora, para simbolizar que "não há impossíveis", é também ela uma boa síntese destes primeiros seis meses de governação.
É que a simples sobrevivência sem grandes sobressaltos desta aliança parlamentar, quando todos lhe vaticinavam uma série de barreiras impossíveis de ultrapassar, é ainda a marca principal de uma solução política inédita. Costa conseguiu trazer, pela primeira vez, para a esfera governativa o PCP e o Bloco de Esquerda e já conseguiu aprovar Orçamento de Estado, Plano de Estabilidade e Plano Nacional de Reformas. A "geringonça" vai voando.
A segunda marca destes primeiros seis meses é o regresso da política, em detrimento das finanças. Se, no ciclo anterior, as figuras de Vítor Gaspar e Maria Luís Albuquerque surgiam como estrelas maiores ao lado dos líderes da coligação, hoje é a frente parlamentar que impera com os portugueses a aprenderem nomes como João Galamba ou Pedro Nuno Santos. Foi na Assembleia que foram negociadas as "reversões" ou "reposições", conforme as perspetivas.
E se, de um lado, António Costa tem a Esquerda, do outro lado tem Bruxelas e aí também, mais do que a economia ou as finanças, tem sido o sorriso político a vingar. Com sanções adiadas, os portugueses que ligarem por estes dias a televisão devem achar que vivemos numa estranha ilha no meio de tanta turbulência europeia. Em Espanha não há Governo, na Grécia carrega-se nas reformas, em França nos manifestantes e o Reino Unido vai a votos decidir a permanência na União.
Ao pé disto, a constante inquirição por um "plano B" ou a preocupação com os humores do presidente da República em relação ao Governo são matérias de uma profunda irrelevância, especialmente quando, à Direita, Cristas ainda dá os primeiros passos e Passos continua primeiro-ministro de "pin" na lapela a prometer que, com ele, tudo voltará a ser como dantes...
Com isto, António Costa bem pode juntar à vaca que voa a vaca que ri, porque este esplendor da política até nos vai fazendo esquecer que a economia não dá sinais de acordar e que, sem ela, o "otimismo crónico e às vezes ligeiramente irritante" do primeiro-ministro, nas palavras de Marcelo Rebelo de Sousa, pode ter os dias contados. Sem um país com mais músculo económico, a vaca voa mas não vai longe e nós teremos fracos motivos para rir.
*SUBDIRETOR