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Os muitos problemas que afetam negativamente o Interior de Portugal são frequentemente tratados de uma forma romântica, emocional e, não poucas vezes, desligada da realidade. Razão para afirmar que os nossos problemas do Interior resultam dos atrasos portugueses, tanto económicos como sociais, atrasos que serão naturalmente resolvidos tão cedo Portugal atinja o nível de desenvolvimento dos países mais avançados da União Europeia. Ou seja, os problemas do nosso Interior são afinal os nossos problemas como país económica e socialmente atrasado.
Por sua vez, os nossos atrasos resultam, em grande parte, da governação do país se fazer sem destino certo, com avanços e recuos que resultam da ausência de uma estratégia definidora dos nossos objetivos nacionais. Ou, como tenho escrito demasiadas vezes, não há bom vento para quem não sabe para onde vai.
Num curso em que participei no Japão em 1995, aprendi a importância da estratégia no governo dos povos, como das empresas, através da experiência japonesa de 1946 e 1956, que foi a base do rápido progresso do Japão do após guerra. Chegado a Portugal e com a ajuda do professor Veiga Simão, cozinhámos uma síntese estratégica para Portugal bastante mais palavrosa do que a experiência japonesa - por alguma razão somos portugueses - tendo posteriormente publicado um livro sobre o assunto: "Uma estratégia para Portugal". O texto inicial da síntese estratégica foi publicado pela Associação Industrial Portuguesa como parte da Carta Magna da Competitividade. O texto dizia o seguinte:
"O novo modelo económico (no contexto da União Europeia e da globalização) deve ter um enquadramento flexível e privilegiar o desenvolvimento e modernização dos setores de bens transacionáveis (produtos e serviços suscetíveis de concorrência internacional nos mercados internos e externos), desejáveis nos mercados externos em virtude das suas características de inovação tecnológica e valor. O fator humano qualificado, culto e motivado, a produção científica e tecnológica organizada e o acesso rápido, fácil e barato ao mundo através de telecomunicações, de sistemas de informação e transporte, são os recursos essenciais."
"A criação de vantagens competitivas nos mercados europeus tradicionais e a diversificação das relações comerciais e de investimento impõem relações mais intensas da economia e do sistema científico e tecnológico com mercados e parceiros exigentes."
Em suma: "Um forte empenho da sociedade portuguesa na economia do conhecimento baseado num crescimento sustentado, na qualidade e na inovação e orientado para aumentos significativos da produção de bens e serviços transacionáveis."
Passados vinte e dois anos sobre a publicação deste texto dirigido principalmente ao poder político, o resultado foi a recusa do seu debate e a governação do país se continuar a processar sem uma clara orientação estratégica.
Passados todos estes anos, a minha convicção continua a ser de que as causas do atraso do Interior de Portugal não são diferentes das causas dos atrasos de Portugal em relação aos países mais desenvolvidos da União Europeia. Trata-se essencialmente de um problema de formação de metade da sociedade portuguesa, de crianças pobres que chegam ao ensino oficial aos seis ou sete anos marginalizadas na sua formação relativamente às crianças oriundas das famílias de maiores recursos, o que se mantém ao longo da vida. Razão de hoje insistir na formação dos comportamentos e das competências das nossas crianças em pé de igualdade, através de creches e do pré-escolar de qualidade, com educadores licenciados, alimentação e transporte.
As questões do Interior passam por uma sociedade portuguesa mais equilibrada, mais desenvolvida e mais competente.