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Sócrates saiu da prisão em Évora e está em prisão domiciliária, sem pulseira eletrónica. Os partidos, esses, calaram ou então só falaram para dizer que aquele facto não importava à campanha eleitoral. Esta é a dimensão formal da política e não se vê algo que de muito diverso pudesse ter sido dito. Na substância, porém, as coisas não são de todo assim, porque José Sócrates fora da prisão é um facto político que zumbe em todo o lado. Na Imprensa, lançou-se que os socialistas estavam preocupados com aquela semilibertação. É verdade? Não sei, as notícias colocadas, às vezes com cuspo ou nem isso, são hoje mais do que praga de gafanhotos. É no entanto verdade, sim, que o espaço público foi ocupado desde a detenção de Sócrates por aqueles que o diabolizam. Porquê? Por convicção, por estratégia político-partidária, comunicacional ou judicial, ou por uma mistura de tudo isto, que resulta num tremendo ativo (ou passivo) político-tóxico.
Muitos parecem coincidir na ideia de que Sócrates é mau para as expectativas do PS. Enquanto se falar dele, dizem, ninguém vai discutir a governação vigente. Têm razão, em parte. E, não se duvide: no que depender do PSD e dos seguristas mais enxofrados, vai falar-se de Sócrates a cada instante. A coligação vai relançar o tema do ex-primeiro-ministro e voltar a 2011. Sim, óbvio, o momento a seguir ao Apocalipse em que chegaram (com a troika) e nos "salvaram" de Belzebu.
A linha a percorrer pelo PS é apertada, embora Sócrates possa ser convertido em seu trunfo com alguma facilidade. Primeiro, as coisas óbvias: para o PS, é melhor ter um antigo líder na prisão, ou em casa? Está em prisão domiciliária, dir-me-ão. Mas voltou a ter nome, já não é o 44, epíteto com que os seus inimigos o achincalharam dia após dia. Como ontem se viu, até já encomenda pizzas com suplemento de queijo, com animação garantida em mais uns diretos indigentes. Muito importante também, fora da prisão Sócrates "é" muito menos culpado, pelo menos do ponto de vista da perceção pública. Ora, essa e só essa é a que politicamente tem peso.
Há só um pequeno senão: ou o PS enfrenta de uma vez por todas esta questão sem complexos ou, daqui até 4 de outubro, Sócrates vai ser servido ao PS em fatias fininhas de salame. Todos os dias, todas as horas, todos os minutos, sem exceção. Com indigestão garantida.
* PROFESSOR UNIVERSITÁRIO