O Facebook (FB) tem sido muito criticado por se recusar a controlar a veracidade da publicidade política paga na rede social. A candidata presidencial americana Elisabeth Warden chegou ao ponto de publicar no FB uma mensagem publicitária falsa sobre o presidente da empresa para alertar para os riscos resultantes dessa política empresarial.
Corpo do artigo
Ninguém discorda da importância de impedir os políticos de mentir. Mas será que esse objetivo justifica censurar os políticos? O que se está a pedir agora às redes sociais contrasta com a forma como a propaganda política foi tratada até hoje. Seria o equivalente a ter alguém a controlar a veracidade dos outdoors políticos. E porque não exigir às TV que censurem tudo aquilo de falso que diz um político? Olhando para o número de vezes que o nosso primeiro-ministro já foi apanhado em falso pelo site Polígrafo, as suas intervenções passariam a estar repletas de "bips"... Não é que tal ideia me desagrade, mas há uma ideia que me preocupa ainda mais: a de que o facto de eu entender que um político mente me possa dar a mim (ou quem quer que seja) o direito de o impedir de falar. A democracia não funciona sem verdade. Mas esta verdade não resulta da censura, mas do pluralismo. Isto não quer dizer que o combate pela verdade não seja fundamental. É diferente discutir a imigração no Mediterrâneo quando se acredita que o número de pessoas que chegam por mar é de perto de um milhão do que quando se descobre que afinal este ano foi de 75 mil. Mas, no que concerne a propaganda política, o combate pela verdade não se faz através da censura, mas sim através da transparência e do acesso a mais fontes. Primeiro, é fundamental que seja claro nas redes sociais o que é propaganda política paga. Segundo, o que essas redes deviam fazer é associar a essa propaganda, sempre que exista, um link para um fact checking independente. Isto permitiria a quem lê essa propaganda política controlar imediatamente a veracidade do que é dito, mas sem o censurar.
Dar às redes sociais o poder de censurar as afirmações dos políticos também seria dificilmente exequível. Boa parte do debate democrático não é sobre os factos, mas sobre como os interpretar. Isto geraria dúvidas sobre a fronteira entre o falso e o verdadeiro. Na recente campanha eleitoral, o principal cartaz do PS tinha por slogan "Cumprimos". Pode fazer-se fact check de tal slogan? A maioria dos especialistas diria que não, pois depende de apurar o que foi feito, mas também de o avaliar. Ironicamente, existindo um controlo da verdade da propaganda política, os eleitores poderiam tomar como tendo sido verificadas como verdadeiras meras interpretações dos factos.
Esta discussão demonstra quer a importância quer os limites do combate pela verdade. Até a verdade pode ser adulterada por uma má ideia.
*Professor Universitário