A questão da deslocalização do Infarmed devia fazer corar de vergonha a classe política portuguesa. Não apenas por causa das dúvidas quanto à sua vinda para o Porto. Todo o debate obriga-nos de novo a constatar que somos um dos países mais centralistas do Mundo. É aqui que podem encontrar-se algumas das explicações para o nosso atraso.
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O Infarmed é um instituto público, tutelado pelo Governo através do Ministério da Saúde. A localização das suas instalações e atividades decorre somente de uma decisão política. Tomada por quem legitimamente exerce funções governativas. Se a direção do Infarmed não concorda, pode ser substituída. Se os trabalhadores não querem mudar de cidade, podem naturalmente mudar de emprego. Tudo isto não significa violação à lei ou aos direitos dos funcionários. Claro que estes têm família, filhos na escola e casas para pagar. Claro que têm de ser tratados com respeito e consideração. Nada disso altera, porém, a questão de fundo.
Portugal é um dos estados mais centralistas do Mundo. O que, sendo um país pequeno e pobre, resulta na hiperconcentração de população e riqueza (e na degradação acentuada da qualidade de vida na capital) e na desertificação do restante território. Claro que o Porto não é Barcelona, nem por cá conhecemos, felizmente, impulsos secessionistas. Sucede que Lisboa é várias vezes mais centralista do que Madrid. A questão nem sequer é apenas o Porto. Faça-se o simples exercício de comparação entre a Guarda e Salamanca, Sevilha e Faro, Bragança e Valladolid ou Viana e Vigo.
O centralismo português é uma vergonha nacional que se agrava a cada Governo que passa. Agravamento, aliás, na quase exata proporção do aumento do número de eleitores no distrito de Lisboa. Veja-se a timidez dos partidos políticos quanto ao tema e ateste-se o desconforto relativamente à cintura do funcionalismo público que aprisiona a capital.
Claro que António Costa e o Governo não podem recuar na questão do Infarmed. Por uma questão de decoro e precisamente por se tratar de uma decisão política. Se o PS pretende continuar a fazer campanhas eleitorais de cara levantada no país inteiro, nem sequer uma solução de compromisso será admissível.
Espera-se e deve exigir-se mais. Espera-se que o Governo abra o debate e inicie um roteiro para uma efetiva descentralização, começando pela deslocalização de entidades e organismos públicos para as diversas capitais de distrito. Privilegiando o interior e as zonas mais desertificadas. Contribuindo para evitar a repetição de desgraças recentes, indo ao encontro das exigências do presidente da República e tratando, finalmente, Portugal como um todo e os portugueses como iguais. Seria um princípio. O princípio do fim da vergonha.
EMPRESÁRIO E PRES. ASS. COMERCIAL DO PORTO