Se a maioria dos deputados encontrou, felizmente, um caminho para a despenalização da eutanásia, um dos dossiês políticos mais fraturantes de sempre, então não há qualquer razão para que no futuro o Parlamento não alcance entendimentos alargados sobre os grandes problemas que influenciam o dia a dia de cada um de nós.
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Sabemos que muita tinta ainda haverá de correr até que a eutanásia seja uma realidade em Portugal. Já percebemos também as movimentações e as agendas políticas para tentar travar uma medida aprovada pelos que nos representam na casa da democracia. Mas não haverá máquina do tempo que apague a escolha feita ontem.
Portugal não está a abrir qualquer porta a uma cultura de morte deslizante nem carreiros a penas de morte decretadas por terceiros, como argumentam os opositores da eutanásia, em prol das suas convicções filosóficas e religiosas. Por mais ruído que se possa fazer, por mais manobras e artifícios, defender o referendo sobre a eutanásia é apenas tentar impor aos outros uma moral coletiva sobre as livres escolhas de cada um. É interferir sobre as dores e o desespero dos outros. A decisão de ontem saída da Assembleia da República transporta, contudo, mais responsabilidades aos que votaram a favor, mas também aos que se opuseram à despenalização da eutanásia.
Um país que despenaliza a morte assistida tem de ser capaz de garantir camas suficientes para internamento em cuidados paliativos e não pode em caso algum aceitar que alguém morra sem assistência médica, após horas à espera numa urgência hospitalar, seja em que local for. O mesmo país que nos dá a liberdade de escolha na forma como morrermos tem de acautelar que nos dá a mesma liberdade na hora de viver. E sem uma vida digna, não há morte que nos valha.
*Diretor-adjunto