Às vezes gostaria de avançar no tempo. Todas estas indefinições e mistérios saturam. Algum dia se perceberá o que realmente aconteceu no BES? Até onde irão as revelações que Ricardo Salgado fatalmente terá de fazer? E na PT? Os actores envolvidos continuarão a representar os seus papéis ou regressarão à sua condição de cidadãos comuns e falarão fora do guião? Como será interessante a vida do historiador económico daqui a uns anos! Ou talvez não. Talvez nunca nada se venha a saber ao certo, deixando ao "diz que disse" a construção de narrativas diversas, tantas quantas as partes e interesses envolvidos. O caso BPN parece paradigmático. Dir-se-ia que se arrasta o suficiente, e conveniente, para que Oliveira e Costa, visto por muitos como o único figurante que poderia vir a desafinar, sucumba à doença que o parece minar. Oxalá que não, mas que parece, parece!
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Tratando de acontecimentos ainda mais perto de nós, será que algum dia se virá a saber o que aconteceu na última reunião do Banco Central Europeu (BCE). É certo que o seu presidente, Mario Draghi, tinha vindo a reforçar os sinais de inconformismo, patente no seu discurso em Jackson Hole. O "hole" (buraco) tê-lo-á inspirado. Draghi centrou a intervenção no combate ao desemprego que, conquanto ambígua, abriu portas a que se visse nela o sinal de uma nova postura do BCE.
A ambivalência não tardou a ficar patente com o ministro das Finanças alemão a dizer que ele havia sido mal interpretado, propondo-se, como acontece a quem se habituou a manipular marionetas, dar a sua versão autêntica do que ele teria querido dizer. Nesse sentido, a reunião do Conselho Geral do BCE da semana passada deve ter sido um choque para os alemães: tanto quanto foi possível apurar pela Imprensa internacional, houve uma espécie de revolta da trupe em que a Itália terá liderado a "amotinação", secundada por outros países, entre os quais Portugal. Fora do que estava previsto, venceu a perspectiva mais intervencionista. Novidade, ainda, o facto de Draghi ter permitido (resignado?) a que as decisões fossem tomadas por maioria o que, em si, evidencia uma determinação (feita de saturação?) de alguns países que, até agora, não se vira. Draghi emerge como o protagonista. Quem sabe de história sabe que estes episódios nunca são obra de um só. Não obstante a aparente bondade da decisão, sobram perguntas. No imediato: ainda se irá a tempo ou qual o impacto que tudo isto terá numa economia como a portuguesa? Dir-se-ia que sempre é melhor do que nada e que não sendo o efeito directo muito significativo, as medidas valem pelo impacto na envolvente europeia ainda, e sempre, os nossos parceiros económicos fundamentais. Vale, também, pela expectativa que se cria de que a história se repita: após uma decisão deste género, em 2009 (5 anos de atraso!), a Reserva Federal avançou, poucos meses depois, com a compra em grande escala de dívida pública.
Mas há perguntas mais de fundo: será possível continuar a acomodar, no actual quadro institucional, perspectivas tão distintas sobre o papel das políticas orçamental, monetária e do banco central sem uma evolução para um modelo federativo, com os seus custos e benefícios? Não sendo este desenvolvimento antecipável, nem pretendido pela maioria dos cidadãos europeus, será a situação actual sustentável, ou seja, não estará o projecto "euro" politicamente condenado? É que se assim for, não somos nós que saímos do euro, é o euro que sai de nós! Não tenho nem saber, nem informação suficiente, para ir para além das perguntas. Tenho, contudo, a intuição que as decisões do BCE da semana passada serão marcantes na clarificação do (avanço do?) projecto europeu e do envolvimento dos diferentes países nele. Como não podemos dar um salto ao futuro, a (vi)ver vamos.
Não esqueçamos, por fim, que Draghi lançou o repto aos governos de pensarem uma política orçamental mais expansionista. Mais do que as hipotéticas, e convenientes, descidas de impostos, o desafio da ministra das Finanças para que se estudem e debatam os caminhos da dívida parecem indiciar que alguém o escutou. A viver vamos.