Não precisamos de vasculhar muito o baú da memória para nos recordarmos das célebres imagens de Boris Yeltsin em palco, de sobrancelhas levantadas, a dançar, digamos, desconchavadamente, durante um concerto de rock em Moscovo. Corria o longínquo ano de 1996. A cena protagonizada pelo homem que foi também o engenheiro político do colapso final da antiga União Soviética correu mundo e, entre outras virtudes, foi um excelente golpe de marketing para, subliminarmente, promover a vodka.
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De 1996 até hoje muita coisa mudou a Leste. Mas, já se sabe, há coisas que nunca mudam e o elogio da bebida nacional russa é uma delas. Não se estranha, por isso, que em tempos de fracos resultados da diplomacia internacional em geral e da russa em particular, a destilada bebida branca volte a emergir no discurso político moscovita. Foi o que fez ontem o presidente Vladimir Putin ao dizer, metaforicamente por certo, ao seu homólogo francês, François Hollande, que não haveria paz na Síria "sem uma garrafa de vodka". Defender-se-á Putin dizendo que se tratou de uma metáfora, mas sabemos que na Rússia esses recursos estilísticos se materializam demasiadas vezes.
Hollande, que apareceu ao lado do presidente russo, numa conferência de imprensa irrelevante para o futuro da Síria, olhou o homólogo e brincou (com mais bom gosto, entenda-se) ao dizer que, se há que meter bebida nisto, então que ela seja vinho do Porto.
Terá sido a resposta diplomaticamente correta à inusitada afirmação de Putin - um homem que, ao contrário de Yeltsin, tem fama de não beber álcool -, até porque a observação do líder russo não é apenas equívoca. Ela é sobretudo de mau gosto. A guerra (ou o seu fim) que Putin quer celebrar com vodka já matou 70 mil pessoas e opõe, de forma claramente extremada, as diplomacias de Moscovo e Washington. Obama, recorde-se, está a apoiar não-militarmente os rebeldes opositores do presidente sírio, Bashar al-Assad, cuja manutenção na cadeira do poder em muito se deve à Rússia.
Regressemos, porém, ao néctar duriense. A tirada de François Hollande deve ter enchido de orgulho o ministro português dos Negócios Estrangeiros. Ainda que Paulo Portas tenha outros motivos para estar satisfeito esta semana por razões que têm a ver com água. Os dois submarinos comprados por si enquanto ministro da Defesa, e que custaram ao erário público 1,026 mil milhões de euros, os tais que afundaram o défice em 500 milhões de euros, têm finalmente uma utilidade. Os dois mastodontes estão a ser usados, pasme-se, para combater o narcotráfico. A matéria, apressou-se a dizer o Estado-Maior da Armada, é de caráter reservado, mas o JN desvenda que a alta tecnologia militar dos submergíveis está a dar luta às barcaças dos traficantes. Ou seja, um país depauperado nas suas finanças, que insiste em afirmar políticas voltadas para a exploração dos recursos do mar, não conseguiu melhor fim para os altamente tecnológicos "Tridente" e "Arpão" do que vigiar fardos de haxixe ou cocaína.
Com que bebida brindará Portas o sucesso desta espécie de caça ao elefante com fisgas?