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Pelas razões as mais diversas, quase nunca positivas, o BCP tem, com regularidade, continuado no topo da actualidade. Na semana passada soube-se da necessidade de o banco despedir mais de mil funcionários, como parte das condições impostas pela Comissão Europeia (CE) por ter recorrido ao auxílio do Estado. Em condições normais, essa ajuda não seria concedida. Mesmo nas circunstâncias actuais da economia portuguesa, a Comissão impôs um conjunto de condições, em parte para compensar a eventual distorção da concorrência resultante do financiamento concedido. Trata-se de uma espécie de réplica, ao nível empresarial, do que se tem vindo a passar com a República. Também o BCP foi obrigado a submeter um plano de reestruturação, definindo a estratégia para os próximos anos, comprometendo-se com uma redução dos custos e um saneamento financeiro da instituição (via diminuição do emprego, encerramento de balcões, venda de activos, etc.). Durante o período de vigência do plano, o BCP está proibido de fazer aquisições e tem outros actos de gestão, mormente envolvendo certo tipo de operações de risco, condicionados e vigiados. Existem, ainda, limitações na política de remunerações, sobretudo nos bónus pagos aos administradores. Tudo isto e, ainda, o pagamento de uma taxa de juro pelo empréstimo comparada com a qual as taxas da troika são uma brincadeira de crianças. Ao contrário do que é afirmado à boca cheia, o Estado não deu nada aos bancos. O risco, que o há, funda-se na hipótese de o plano de reestruturação não ser bem-sucedido.
Na sequência das negociações havidas, Nuno Amado, presidente do Conselho de Administração do BCP, anunciou ter conseguido que a CE aceitasse transformar a meta do decréscimo de efectivos numa diminuição de custos com o pessoal: o nível de emprego poderia manter-se desde que houvesse forma de obter outras reduções que compensassem a manutenção dos postos de trabalho. Numa altura em que o desemprego é a principal chaga social e preocupação dos portugueses, ter-se obtido esta margem de manobra revela um notável sentido de responsabilidade social. No mesmo sentido, um responsável sindical colocou, como base para negociar, a garantia de que não houvesse despedimentos. Em contracorrente, o secretário-geral da UGT recusou a descida de salários por considerar que tal seria "voltar atrás na vida e ao tempo da exploração", invocando a necessidade de cumprir com o código de trabalho e a contratação colectiva. Não sei se, no entender de Carlos Silva, alguém ser despedido, mesmo que com a indemnização devida, avança muito na vida!
No meio disto tudo, ainda não se ouviu a voz dos trabalhadores do BCP. Haverá, estou em crer os que, por razões as mais diversas, preferirão a saída e a indemnização. E haverá alguns mais disponíveis para fazer concessões e outros menos. É uma questão de prioridades e valores, institucionais, pessoais e interpessoais. Talvez valha a pena, a este propósito, recordar a experiência alemã pós-integração e tentar entender como aquele país conseguiu fazer face aos graves problemas económicos que atravessou (é verdade, a Alemanha já esteve bem atrapalhada quando nós parecíamos na mó de cima), sem que tal se reflectisse numa subida significativa do desemprego. Para além da moderação salarial, em contrapartida da manutenção dos postos de trabalho, há um outro traço distintivo: o importante papel das Comissões de Trabalhadores. Mais perto dos trabalhadores e dos seus problemas, conhecem também melhor as especificidades das operações e são capazes de dar contributos que atendam às peculiaridades das empresas. Por isso, têm o seu espaço nos órgãos de gestão. As culturas e o quadro institucional e histórico são diferentes. Ainda assim, sem menosprezar o papel dos sindicatos, fundamentais nas pequenas e médias empresas e no estabelecimento e defesa de princípios gerais e na promoção da concertação social, talvez em Portugal haja espaço, nas grandes empresas, para um papel mais activo das comissões de trabalhadores. Parte da explicação do sucesso da Autoeuropa não residirá aí?