Portugal, reconhecidamente, não tem problemas de "identidade nacional". E nem sequer vale a pena levantá-los pretextando a regionalização ou a eufemística "descentralização administrativa".
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Na sua prolixidade instintual, o país é um Estado-nação consolidado no qual as divisões "bairristas" sucedem sobretudo por causa do futebol e da macrocefalia lisboeta. E não existe nada mais provinciano do que querer exibir forçadamente um "espírito" cosmopolita, hipermoderno, a partir da capital. Um tipo espertalhão chamado Paddy, uma espécie de Popota 2.0, convenceu há tempos Lisboa, e o seu friso municipal e governativo independentemente das cores partidárias, a realizar uma "cimeira web", anual, que, no jargão agora na moda, se destina a provocar, gerar e "interagir" no admirável mundo novo dos "unicórnios".
Depois, o dito Paddy Popota convida umas "personalidades" que, nos intervalos, realizam conferências ou ministram "aulas". Cristina Ferreira, uma delas, passou pela Expo para ensinar aos incréus a conjugação do verbo "ser" em inglês e distribuir alguns dos seus encantadores aforismos de vida. Ana Malhoa, no saudoso "Buereré", com certeza não teria feito melhor. Tudo começa invariavelmente com o primeiro-ministro, outro adventista da "modernidade", e termina com Marcelo num daqueles números, já habituais, de fazer corar de vergonha alheia o indígena.
Da estação de serviço, vamos lá, de Aveiras para cima, a Web Summit, muito apropriadamente, não só não diz nada a ninguém como inspira os maiores (e legítimos) ódios à capital. Não tem porquê. Torno a sugerir "Os Maias" a título de "guião" para os dias que passam. No capítulo X, ocorre uma coisa parecida com esta, em Belém, mas na variante hipódromo, com cavalos e carruagens, onde se sente "um realejo tocando a "Traviata"".
Também estava presente a melhor, e a pior, sociedade, bem como a corte e algum "corpo diplomático", seguramente mais chique que a estrangeirada da Expo apesar da tecnologia. Não houve pó nem desacatos "populares", e até foi servida a primeira-dama ucraniana como refrigério. Mas a imitação estava lá.
O hipódromo, erguido nas colinas de Belém, imitava, na versão fadista, viola, vinhaça e bordoada, as corridas de cavalos inglesas. A "Web" é autocomplacente e é inimitável, razão pela qual Paddy quer mais espaço senão pira-se. O triste espectáculo domingueiro de Eça encerrou-se com o aparecimento de uma "pobre pileca branca", chicoteada pelo seu jóquei, a atravessar melancolicamente a meta.
"Todo o mundo ria. E a corrida do Prémio d" El-Rei terminou assim, grotescamente". A de Paddy também, com Marcelo a apertar a mão e o corpo do organizador como se fosse a "pobre pileca branca" do outro. Isto não dá mais.
*Jurista
(O autor escreve segundo a antiga ortografia)