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Ontem, no aeroporto de Lisboa, numa loja com livros (livraria é outra coisa), ouvia-se, bem alto, Toni de Matos. Não sei o que pensavam os estrangeiros daquele estranho "musak" com palavras, por certo o levam à conta de toada melancólica mediterrânica, pelo típico gemido vocálico. Logo a seguir, no altifalante da loja, num "medley" improvável, surgiu Keith Jarret. Como entretanto saí, não esperei para ver se se seguia Quim Barreiros - mas já ninguém se surpreenderia. É que, em matéria de oferta turística, hoje já vale tudo!
Somos, de há muito, um país turístico. O Algarve (com a Madeira noutro registo) foi a primeira montra do sol & mar para "camones" e míticas suecas. Por anos, fado, Lisboa e uma vida simplória ("so typical !"), eram o seu complemento. Com a procura global de cenários alternativos, olhou-se o Douro para além do vinho do Porto. Os saldos da Ryanair revelaram a graça única da capital do Norte. Entretanto, a Costa Vicentina passou também a ser "bem", com os Açores a assumirem-se como a última "descoberta da pólvora". E há, claro, as novas rotas judaicas, transformadas em maná comercial pela diáspora israelita, com que nos absolvemos das judiarias que lhes fizemos.
O tempo transformou o Algarve num espaço para ressacas de pifos nórdicos e retiro de idosos à cata de sol e impostos baixos. A Europa passou a dar mais atenção a outras zonas de um país de gente acolhedora, com uma invejável rede viária, alimentação excelente e às vezes barata (mas já aprendemos, como o restaurador gatuno da Baixa lisboeta provou!), ruas onde a insegurança não passa em regra do vigaristote de mão-baixa. Não fora a cupidez do patobravismo autarquicamente protegido e a costa portuguesa poderia ser hoje um paraíso quase sem paralelo na Europa.
O turismo é uma imensa riqueza que temos e faz jus à hospitalidade que está no nosso ADN. É muito importante economicamente, abre-nos ao Mundo e apenas há que saber regulá-lo com bom senso e bom gosto, para que, pelo excesso da sua pressão no ambiente urbano, não venha a gerar uma "turismofobia", como noutros lugares já ocorreu.
E volto ao Toni de Matos (cuja voz muito aprecio, aliás). Sabemos que a oferta ao turista daquilo que é português não pode dispensar o "kitch" - da guitarra plástica ao azulejo "a fingir", talvez já "made in China". Mas, mesmo no "business-friendly" que hoje liberalmente impera, há que tentar evitar o gato por lebre que por aí anda. Deixar sem denúncia oficial que nada há de típico no pastel de bacalhau com queijo da serra é a porta aberta a que, um destes dias, possa surgir um fabiano pelo Norte a vender que bom, bom é o pudim abade de Priscos lardeado com tripas à moda do Porto...
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