Há sinais - a decisão da Moody's ajudou - de que a União Europeia está a acordar, o que só nos pode ser favorável. A envolvente condiciona mas o destino continua nas nossas mãos.
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Com um título destes, o leitor terá pensado "mais um fundamentalista neoliberal" ou, se já me conhece, "este passou-se", em que o verbo tanto pode referir-se ao estado mental ou à mudança de campo político. Lamento desiludi-lo: nada disso corresponde à verdade. O que não quer dizer que não ache o título adequado. Confuso? Continue a ler.
A análise da Moody's pode ser resumida na seguinte ideia: "Portugal não conseguirá cumprir as suas obrigações e, sem mais ajuda, a sua dívida terá de ser reestruturada". Vai daí, mandou-nos pela escadas do rating abaixo. Podemos discutir a adequação do tempo do anúncio. É sempre péssimo. Desta vez não foi excepção. Podemos considerar que ao fazê-lo, dada a sua influência na determinação dos termos do crédito, cria as condições para que a sua profecia se cumpra. É verdade. Podemos, ainda, considerar que esta avaliação é injusta para um governo que acabou de tomar posse e se empenhava em mostrar serviço e, sobretudo, para um povo que votou de modo a ter um governo estável, dando ainda um apoio esmagador aos partidos que subscreveram o acordo com a troika. Nada disto está em causa. Sou até capaz de subscrever alguns outros comentários que por aí vi e sugerir a minha própria teoria da conspiração: as agências de notação foram infiltradas por inimigos da democracia, empenhadas em derrubar o regime, ao forçar a adopção de medidas impopulares que facilitarão a vida às forças populistas e extremistas. Como dizem os italiando si non è vero, è bene trovatto, não acha?
Bem! Podíamos continuar com estas elucubrações. Não me parece caminho fértil. Mesmo fora de tempo, injusta e leviana, sem levar em conta as repercussões sociais da sua análise, a Moody's não disse nada de novo. Todos os que sabem fazer contas, há muito concluíram que dificilmente conseguiremos pagar os empréstimos obtidos, mesmo que cumpramos tudo o que ficou acordado com a troika.
Seria preciso um excedente excepcional no saldo entre receitas e despesas públicas primárias (sem juros) que não se vê como pode ser conseguido. As razões são várias e vão desde a pesada carga fiscal que já não tem muito por onde crescer, até à dificuldade em diminuir substancialmente as despesas, não apenas pela pressão que a situação social porá sobre as mesmas, mas também (sobretudo?) pela resistência dos grupos de interesse, desde os militares (a quem o ministro já deu uma palmadinha nas costas) aos autarcas (que já concluíram que os problemas não têm nada a ver com eles) passando por todos os outros que já se manifestam em surdina.
Se a inflação a nível europeu subisse até próximo dos 4% ajudaria, mas o chato do BCE continua obcecado com os preços e já desatou a subir a taxa de juro para esfriar a economia. Quando a saída, quase única, é aumentar as exportações, estando na Europa os nossos maiores mercados, era mesmo o que precisávamos! Com amigos destes...
No entanto, para além de todas estas questões, externas e internas, sobra uma razão de fundo para que não sejamos capazes de regressar aos mercados em 2013 se não houver algumas mudanças drásticas: o nosso potencial de crescimento. Mesmo nos cenários mais optimistas, o máximo que conseguimos crescer anda à volta dos 2,5% ao ano.
Aumentar este potencial não acontece de um dia para o outro, mesmo que se tomem as medidas adequadas. O que não quer dizer, longe disso, que nos resignemos. Como aqui já escrevi, a margem de renegociação é tanto maior quanto mais evidente for o empenho colectivo no cumprimento, ou mesmo superação, do acordado.
Ao contrário do que algumas vozes extremistas clamam, os nossos interlocutores são instituições e pessoas de bem, capazes de reconhecer a seriedade do esforço que esteja a ser feito. Há sinais - a decisão da Moody's ajudou - de que a União Europeia está a acordar, o que só nos pode ser favorável. A envolvente condiciona mas o destino continua nas nossas mãos.
Ao humilhar-nos, talvez a Moody's nos tenha dado a motivação colectiva de que andávamos à procura.