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Luís Amado, ministro dos Negócios Estrangeiros, dizia, ontem, ao "Expresso" que "temos uma situação política aberrante". Referia-se ele ao facto de, em Portugal, ao contrário do que sucede em países europeus, o Governo estar entregue a uma minoria, apesar de a crise aconselhar um governo que tivesse garantida a estabilidade parlamentar. Por cá, não só isso não sucede como sobre a votação do Orçamento se criou um suspense surreal, do mesmo modo que ninguém garante que, amanhã, não se volte a formar no Parlamento uma coligação pontual da Oposição para aprovar uma medida com que o Governo não concorde. Já sucedeu.
Certamente poucos são os que duvidam que, mesmo depois de aprovado o Orçamento, a situação política acalme e garanta a estabilidade de que o país necessita para viver nas apertadas condições que a crise impõe. E isto é, realmente, uma aberração.
A estabilidade é porém um objectivo com que, de vez em quando se vai acenando. Há dias, Pacheco Pereira aludia à substituição do primeiro-ministro como factor que poderia conduzir a uma solução de maior estabilidade. NO CDS, sucedem-se apelos à saída de Sócrates. No próprio PS há sinais, ainda que débeis, de que a saída de Sócrates poderia contribuir para caminhos de maior unidade. São sinais preocupantes, pois mostram como, apesar da crise, há quem continue agarrado à pequena política e pretenda, apenas, achincalhar a figura do primeiro-ministro.
O país precisa de um programa para os próximos anos que seja o máximo unificador comum entre partidos, sindicatos e patrões. Um programa sobre o qual sejaestabelecido um compromisso para, pelo menos, uns dez anos, independentemente de quem vencesse eleições, independentemente de termos um Governo de maioria, de coligação ou minoritário. Esse, sim, seria um sinal inequívoco para acalmar os mercados. Mas teria, sem dúvida, de sentar à mesa partidos, centrais sindicais e patrões. Não é, infelizmente, uma solução para breve. Mas é bom que haja cada vez mais gente a pensar nisto.
PS - O "Correio da Manhã" dava ontem conta de uma escuta a Edite Estrela em que a deputada europeia dizia o que pensava de muitos dos seus parceiros de partido. Edite Estrela não está acusada de nenhum crime, mas foi escutada numa conversa com Armando Vara, no âmbito da Face Oculta. A utilização de uma escuta num jornal é um procedimento que deve estar rodeado de uma série de cuidados e fundado em princípios de rigorosa excepção, que nunca poderão abranger a vida ou as afirmações de um simples cidadão, desempenhe ele o cargo que desempenhar, casualmente apanhado numa escuta de um arguido. Este jornalismo de sarjeta que o CM vem praticando mancha a profissão. Não me querendo arvorar, nem ao jornal que dirijo, em exemplo, há que dizer que comportamentos destes constituem um crime e vão denegrindo a imagem da profissão, porque se tende a generalizar a crítica. Não há, não pode haver, contemplações com casos destes. Há com certeza um grande interesse de uma significativa parte do público por este desnudar constante da vida privada de quem desempenha cargos públicos. E isso poderá ser bom para a venda de jornais. Mas importa sublinhar que o interesse público é outra coisa.