O que é que, afinal, aconteceu? Tudo começou com Marcelo e "acabou", ironicamente, com Marcelo. Durante semanas, a pretexto do Orçamento para este ano, o presidente encurralou os aliados parlamentares do PS.
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Ameaçou-os com a dissolução e com eleições. António Costa, se bem se lembram, nem piou. Ouvia diariamente passar a caravana presidencial a "vender" o "elixir eleitoral" como se não fosse nada com ele. Limitava-se a encolher os ombros e a dizer "não sou eu que digo, é o meu parceiro central de Belém". Entretanto saía a fórmula mágica. "A forma de termos a maioria é sermos nós a maioria", não sei se se lembram. Começaram as "sondagens". Davam para tudo e o oposto. Exibiam "margens" ondulantes entre os dois maiores partidos e hesitavam no terceiro lugar. Ora para as esquerdas, ora uma vez para os Liberais e amiúde para o Chega. Uma "tracking poll" chegou a colocar o PSD na frente por 24 horas, coisa que seria fatal a Rio. Por fim, estava "tudo em aberto" e tudo "empatado". Os comentadores televisivos mal tinham tempo para mudar de camisa e para aliviar os alguidares com a baba e a banha da cobra. As televisões comandavam o sentido diário do voto com recurso ao "método ioiô". Sondagens e televisões fundiam-se enquanto cá fora Costa pulava e avançava. Ninguém? Não. Como explicou o lubrificador do evento absoluto ao "Expresso", "uma campanha não pode ser divergente da bolha mediática". Luís Paixão Martins, que saíra do seu retiro em Monfortinho para ajudar o PS, transformou o barão das esquerdas no melhor amigo das classes médias e timoratas. Por outro lado, e à maneira de Mitterrand, levou Costa a "puxar" pelo Chega, encostando-o a Rui Rio que, como de costume, baralhou-se todo. Ou seja, jamais poderia existir um governo PSD sem Chega. O que chegou e sobrou para arrumar dois adversários, o PSD e o Bloco de que Costa estava farto, e alcançar a maioria com a urna do "voto útil". Comparado com isto, os doze deputados do Chega, o novo terceiro partido, e o quarto lugar para os Liberais, são "danos colaterais" sem importância para um pragmático frio como o primeiro-ministro. O PS sempre soube internamente que ia ganhar, e foi apenas ajustando o tricot mediático. O PSD nunca soube internamente nada. E viveu da ilusão desse tricot, o que lhe toldou uma réstia de razão, lá onde sempre abundou a estupidez política ensimesmada. Toda a não esquerda "tradicional" acabou, aliás, amplamente derrotada. Marcelo também, porque o tricot que ele tanto aprecia fugiu-lhe das mãos. Destino curioso, este, das esquerdas e das direitas em apenas seis anos. As primeiras não resistiram ao abraço de urso do PS de 2015. As segundas ficaram exclusivamente a fazer figura dele.
O autor escreve segundo a antiga ortografia