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Aproxima-se a comemoração dos 50 anos da reconquista da liberdade e da democracia. Os filhos de Abril deveriam estar já em preparativos da grande festa pelas conquistas alcançadas nos mais diversos sectores da nossa vida comunitária. Porém, não se sente a alegria nos rostos e música nas almas, porquê? Porque este velho cantinho à beira-mar plantado continua com um certo apego aos velhos do Restelo.
É certo que muito falta por fazer, o caminho é longo e sem fim à vista, mas as conquistas de Abril fizeram de Portugal um país da Europa, com um lugar visível e imprescindível no Mundo. Ontem conhecia-se Portugal pelo futebol, hoje é conhecido porque muitos o procuram para viver, para viajar, para conhecer, para investir... Há conquistas que nos colocam no chamado pelotão do progresso, na ciência, na tecnologia, na informática, na medicina, na investigação, na música e pasme-se na justiça.
O nosso sistema jurídico processual penal, a independência dos tribunais, a autonomia do MP são objecto de admiração e muitos dos países europeus mais avançados procuram caminhar no nosso sentido, transportando para os seus sistemas, as nossas soluções. Há um manifesto e extraordinário acervo de conquistas que devemos celebrar em Abril. É essa a festa que queremos viver porque com ela construiremos barreiras que impeçam a sua destruição por aqueles que não querem nem amam a nossa liberdade. Nessa festa ergueremos bastiões de esperança por uma saúde, educação, habitação, família e justiça melhores, mais fortes, mais solidárias, mais sociais.
Não é por isso, porém, que deixaremos de apontar as experiências que têm corrido menos bem. No que à Justiça concerne, é inútil ignorar a nostalgia que transborda da memória dos magistrados do MP mais antigos, receptores directos do ideal de Abril de uma magistratura moderna, digna e prestigiada. Não se pode fazer de conta que não se sente uma certa desilusão na nova geração que, de alguma forma, sente ter-lhe sido roubado o desígnio de um MP que lhes fora prometido.
Esta magistratura foi alvo de uma verdadeira transformação com a chegada da democracia. De vestibular, impreparada e secundária foi reconstruída num MP autónomo, de iniciativa, imediação e intervenção. A sua Lei Orgânica, de 1978, foi publicada após grande manifestação de força e de querer dos então magistrados, unidos à volta do PGR, Dr. Arala Chaves. Já nela se expressava a autonomia do MP, mais tarde plasmada na CRP e, depois, o CPP deu-lhe corpo e fundamento.
Este estatuto, que necessitava apenas de actualização cirúrgica, foi alterado drasticamente e, com as modificações introduzidas, a anterior unidade, hierarquia, ordem democrática e as expectativas numa promoção de carreira, precipitaram-se em queda livre num marasmo de desinteresse e solidão! Com tanta e complexa coordenação o magistrado do MP sente-se só no seu labirinto.
(A autora escreve segundo a antiga ortografia)