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"O corte do défice terá de ser feito de modo abrupto, rápido e severo". Ao ouvir estas palavras aos microfones da TVI do ainda governador do Banco de Portugal, dr. Vítor Constâncio, lembrei-me repentinamente das palavras de Salazar: "Para Angola, rapidamente e em força". Obviamente, não confundo o sentido das duas afirmações em referência a situações muito diversas. Distingo completamente a intenção e formação políticas das duas personalidades evocadas em tempos históricos bem diferentes. Mas, em ambas, não posso deixar de ressalvar a gravidade com que foram e são vistas as situações deste mesmo país ao longo da sua história. Para Salazar, era o Império que estava em perigo. Para Constâncio, é o país que está em perigo. A rapidez e força proclamadas por Salazar não evitaram a natural perda de um Império, cuja lógica assentava em princípios fora de tempo e contra os direitos à emancipação de outros povos. As advertências de Constâncio - espera-se - conferem um duro programa para salvar da bancarrota financeira e social este país.
As palavras de Constâncio não escondem a real gravidade da situação. Mas não deixam de suscitar alguma perplexidade como só agora, e tão abruptamente, Constâncio deixa de ser reservado nas premunições, em sinal contrário com outras de tempos próximos. Será esta drástica receita preceituada pelo governador do Banco de Portugal ou do vice-presidente do Banco Central Europeu?
O endurecimento do discurso de Constâncio revela, sobretudo, as imposições que as entidades da Europa estão a fazer a países com ameaça de ruína económica e financeira. As leis da Europa são leis bancárias: "Ou pagas ou vais à ruína; ficamos com o que, supostamente, por hipoteca, era teu". Afinal, a solidariedade europeia assenta na força e lógica do dinheiro.
Nesta semana de euforia anómala para Portugal, considerações deste teor não serão tidas como oportunas. Mas entre o júbilo cristão da visita do Papa, Bento VXI, líder mundial em peregrinação de paz e esperança e a alegria esfusiante das multidões a festejar nas ruas a brilhante e incontestável vitória do campeão Benfica, será importante não nos distrairmos da situação arenosa em que nos encontramos. Sofremos as consequências de uma pobreza estrutural endémica que nunca conseguimos inverter. De uma riqueza sempre mal distribuída.
Que ninguém, neste momento, enjeite as suas responsabilidades.