Esta semana, discutiu-se na AR o agravamento das penas para os crimes sexuais.
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Penso que o cerne da questão criminal não está tanto numa possível agravação das penas, mas mais na sensibilização e formação especializada dos magistrados na abordagem do tema, com uma investigação, acusação, decisão, respectiva fundamentação e aplicação da pena concreta no âmbito das molduras penais já previstas na lei. Mostra-se necessária uma especial atenção e acuidade por parte dos magistrados à realidade actual, com a publicitação exponencial de abusos e agressões sexuais em mulheres e crianças. Não adianta alterar a lei se a pena concreta ficar, como muitas vezes acontece, aquém das necessidades da prevenção geral e da punição do culpado, desvalorizando e subalternizando a vítima, também ela sujeito processual a ser defendida. Vem isto a propósito de algumas decisões judiciais que não afastam uma concepção inconsciente de desculpabilização do arguido agressor em desfavor da vítima. Em recente acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, relativo a uma criança de 7 anos abusada sexualmente por um primo, que à data dos factos criminosos teria entre 16 e 21 anos, deu-se como provado que o arguido cometeu quatro crimes de abuso sexual de criança, aplicando-se-lhe a pena única de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa, com regime de prova, sob condição do pagamento à vítima de 1000 euros de indemnização. A fundamentação deste, porém, não atenta, em minha opinião, à gravidade dos factos, à idade da vítima, às exigências da prevenção geral e especial, sublinhando as circunstâncias atenuantes que beneficiaram o arguido. Da sua leitura resulta uma certa insensibilidade e indiferença relativamente à personalidade, ainda em formação, da vítima e ao direito que lhe assiste a uma descoberta livre e progressiva da sua sexualidade e ao desenvolvimento equilibrado da sua saúde física e mental. Embora registe as exigências de prevenção geral elevadas, face à gravidade dos bens jurídicos violados, o alarme social e a repulsa comunitária causados por este tipo de crimes, bem como a intensidade da culpa com que o arguido actuou, conclui, contraditoriamente, que as consequências da conduta do agressor foram de gravidade mitigada, porquanto não deixaram sequelas físicas ou psicológicas. Porém, esta fundamentação não é suportada nem pelos factos provados nem pelos não provados. A favor do arguido é invocada a sua idade, a ausência de antecedentes criminais, a sua inserção familiar e social. O tratamento favorável dado a este contrasta com a pouca atenção dada à vítima, menor de 7 anos, em idade de brincar, inocente fustigada por actos criminosos por parte do seu primo em quem confiava. Esta não esquecerá os abusos sofridos e, estes condicionarão a sua vida no futuro. A pena aplicada peca por ser demasiado branda, não protege devidamente a inocência violada da criança e não acautela os objectivos das penas criminais.
*Ex-diretora do DCIAP
A autora escreve segundo a antiga ortografia