O evangelismo terrorista passou das palavras aos actos e reacende o debate sobre se estes grupos e seitas podem ou não ser considerados como organizações terroristas e criminosas. Perante o caso de embriaguez colectiva surda-cega-e-muda, sem paralelo na História do Brasil, violenta pela destruição dos símbolos e pelo assalto às instituições na tentativa de golpe de Estado, a seriação de imbecis ganhou um novo alento na tarde de domingo.
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Pela mimetização do assalto ao Capitólio, todos percebemos como é fácil replicar autómatos antidemocráticos, alimentados a doses industriais de demagogia e notícias falsas à cadência das redes sociais, fortalecendo o pior que existe à luz de uma teia de interesses montada à escala da obscuridão colectiva que usa a fé evangélica para precipitar crentes numa horda errática em combustão. Os "teóricos das equivalências" entre Lula e Bolsonaro, aqueles que eram incapazes de escolher (e tantos foram em Portugal), podem agora comparar o incomparável. Foram, como tantos outros, acendalhas úteis, como os idiotas, para uma tentativa de golpe de Estado e um rastro de destruição. Os que ainda não perderam a vergonha e desfilam pelas televisões a defender alucinados ainda vão sendo coerentes.
O Brasil poderá fazer algo que os EUA não conseguiram. O ataque às três instâncias de poder no Brasil só acontece porque a inspiração pelo exemplo maior ganhou asas e faz caminho. A incapacidade do sistema judicial e político norte-americano em trazer Donald Trump à justiça na sequência da instigação e responsabilidade pessoal no assalto ao Capitólio é causa maior para a tentação das réplicas. O sentimento de impunidade opera milagres quando o exemplo não é dado através do cumprimento e do respeito pelas leis democráticas.
Que não se caia na ilusão de que este foi um simples golpe popular. Para além da punição pela lei, é nevrálgico investigar, identificar e desmantelar a teia de conivências que permitiram o financiamento golpista. A mesma teia que, semanas a fio, alimenta a desordem insana nas ruas, entre bloqueios e crenças alienígenas de salvação anticomunista, de braço dado (como se percebeu) com algumas forças policiais e militares reféns de outros tempos, alugando autocarros e alimentando motins em crise de choro convulsivo. O discurso de Lula em plena execução do golpe de Estado, sério, firme e comprometido com a defesa da democracia, foi criticado por muitos "colaboracionistas" das equivalências, responsáveis pelo branqueamento da perigosidade da extrema-direita. A colagem permanente, táctica e interesseira, às (muitas) legítimas reivindicações das forças policiais em Portugal, é o primeiro sinal de que desejam que elas estejam ao seu lado, servis, quando e se chegar o momento de pôr em causa a democracia.
Músico e jurista
o autor escreve segundo a antiga ortografia