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A nossa vida está marcada pelos limites que experimentamos em termos sociais, psicológicos, económicos e éticos. Muitos impostos do exterior, sendo outros criação nossa. Têm entretanto os limites conotações diversas que vão desde as que acentuam o seu caráter negativo, até às que os vislumbram como importantes instrumentos de proteção.
No primeiro caso, figuram os comportamentos em que a assunção dos limites se encara como cobardia ou por ruturas com o bem-estar, o imaginário e os projetos de vida. No segundo caso, trata-se dos limites defensivamente impostos às crianças ou a portadores de deficiências diante das contingências do meio. Entre uns e outros temos o medo, podendo este ser pura e simplesmente, conforme vimos, apanágio da cobardia ou impor-se como condição da nossa sobrevivência.
Tradicionalmente, como Jean Delumeau o descreve na “História do medo no Ocidente”, o medo é secundarizado em termos da dignidade e categoria humanas, sendo antes associado de facto à cobardia enquanto apanágio dos mais fracos, ou seja, dos pobres, dos plebeus, erigindo-se a heroicidade como virtude da aristocracia. Dom Quixote admoesta Sancho Pança por este o alertar para as ilusões quanto a potenciais inimigos: “É o medo que tens, Sancho, que te faz ver e entender tudo mal. Mas se teu pavor é tão grande, afasta-te (...). Sozinho darei a vitória ao exército”. Thomas More, por seu turno, afirma que “a indigência e a miséria eliminam toda a coragem, embrutecem as almas, acomodam-nas ao sofrimento e à escravidão”. Terá sido com Maupassant e Zola que a literatura restituiu ao medo o seu autêntico lugar.
A educação é atualmente uma aprendizagem dos limites e, entre estes, dos que se consubstanciam na vivência do medo, concebido agora realmente como um meio necessário de defesa e não como expressão antitética da heroicidade. Entretanto, a experiência extremada dos limites inspira os desportos radicais, mobilizando os desportos clássicos a aproximação crítica aos limites impostos pelas regras dos jogos, a respeitar e, por isso, a serem controlados por juízes. Juízes que na sociedade, por referência às leis, são, em patamares diferentes, os magistrados e a polícia, para além das instâncias informais da própria comunidade.