"Acontecimentos, meu caro, acontecimentos". Esta frase, atribuída (de forma duvidosa) ao ex- primeiro-ministro britânico Harold McMillan, teria sido a sua resposta à pergunta de um jornalista sobre aquilo que mais pode perturbar os planos de um Governo...
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Esta foi uma semana cheia de acontecimentos. No momento em que escrevo, o mais recente: o Reino Unido acaba de colocar Portugal na lista dos países menos seguros para onde viajar na Europa, obrigando os britânicos que nos visitem a uma quarentena no regresso.
Isto vem na sequência de decisões semelhantes de outros estados que terão um custo enorme, imediato e reputacional, para o nosso turismo e a economia em geral. Não serão de ajuda as teses conspirativas que dizem ser tudo parte de uma concorrência desleal no turismo.
Por que razão iria o Governo britânico promover o turismo de Espanha, França, Itália ou Grécia, contra o turismo português? O Governo britânico seguiu o consenso científico sobre o tema na Europa, tal como o demonstra o mais recente relatório do Centro para Prevenção e Controlo de Doenças Contagiosas na Europa.
Este coloca Portugal como o segundo Estado (depois da Suécia) com maior número de infetados por 100 000 pessoas. Não sabemos com certeza os fatores que explicam esta situação, particularmente em Lisboa. Mas podemos e devemos falar de como as autoridades têm lidado com ela.
Primeiro, promoveu-se a ideia de um milagre português que nunca existiu. Isto gerou dois problemas: um excessivo relaxamento no comportamento dos portugueses pós confinamento e uma péssima gestão de expectativas cá dentro e lá fora. Segundo, como alertei há várias semanas, o desconfinamento ia exigir uma socialização responsável. Ou seja, reabrindo a economia passava a ser fundamental garantir que o comportamento individual minimizava os riscos daí resultantes. Isto exigia rapidez, clareza e consistência na mensagem e medidas das autoridades públicas.
Tivemos o contrário. Terceiro, assistimos a uma crescente divergência entre os especialistas e os políticos (com o primeiro-ministro, por exemplo, a dizer que tudo se devia a testarmos mais e a ser depois desmentido pelos cientistas).
Se há algo que as decisões dos estados europeus vieram demonstrar é que não podemos tratar esta crise como uma alternativa entre a política e a ciência, entre o que é bom para o combate à pandemia e o que é bom para a economia. Se a situação pandémica não for boa, a economia é a primeira a sofrer.
Está na altura de deixar de gerir a pandemia como mais um problema de comunicação política. Está provado que as narrativas não sobrevivem aos acontecimentos.
*Professor universitário