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A maior intervenção ortográfica na Língua Portuguesa aconteceu em 1911 e foi levada a cabo por Carolina Michaëlis de Vasconcelos, Gonçalves Viana, Cândido de Figueiredo, Adolfo Coelho, Leite de Vasconcelos, José Joaquim Nunes, entre outros. Nessa altura, o Brasil não foi sequer consultado e somente em 1912 a Academia Brasileira teria sido convidada a participar na reforma, mas demasiado tarde, uma vez que não houve participação nos trabalhos iniciais.
Mais tarde, Júlio Dantas, em 1931, procurou corrigir essa atitude arrogante e chegar a um "acordo" com o Brasil, de modo a minimizar as diferenças entre as duas grafias da mesma língua. Esse acordo teve um percurso conturbado e somente em 1945 se conseguiu chegar a um consenso.
Embora haja quem alegue uma traição à pátria, nós diremos que este acordo é um brinde à dimensão grandiosa da nossa língua. É um hino à democratização pela partilha, pela união, pela construção conjunta de um património linguístico que pertence a todos os que utilizam a Língua Portuguesa para se expressarem. Mesmo que não existisse o Brasil, as reformas ortográficas eram justificáveis, no sentido de manter o equilíbrio de um sistema linguístico.
Talvez seja bom lembrar que são as medidas de política linguística as únicas a garantir um importante progresso para a expansão da Língua Portuguesa no Mundo.
Lembremos, por exemplo, o caso da Espanha: a Academia Real Espanhola reformulou a sua ortografia no século XVIII, "em bases fonéticas racionais", de modo a respeitar a utilização do espanhol pelo povo mexicano. Em contrapartida, nessa época, Portugal consagrava "a etimologia como supremo princípio ortográfico". A esse propósito, o professor Edwin Williams (citando Gonçalves Viana) refere que talvez tivéssemos sido influenciados pela "ortografia francesa e pelo desejo pedante de marcar um fosso distintivo entre os homens das letras e o pequeno número de pessoas que sabiam ler".
A etimologia tem importância, sim, para os estudiosos da língua. Fenómenos fonéticos como a aférese, a apócope, a assimilação, entre outros, são e continuarão a ser estudados. Contudo, manter a etimologia como base remete-nos para esse mesmo pedantismo, para uma "aristocracia ortográfica" que poder-nos-ia conduzir ao latim, ao itálico, ao proto-indo-europeu.
Atualmente, os mais jovens olham com curiosidade para algumas palavras, como, por exemplo, "ótimo" e explicam a queda do /p/ com base na síncope (fenómeno fonético que consiste na queda de uma consoante no meio da palavra).
Podemos dizer, sim, que tivemos a honra de viver no tempo da democratização da Língua Portuguesa, respeitando os países envolvidos, a todos os níveis.
Viva a Língua Portuguesa! Um viva aos países que assumem a Língua Portuguesa como lingua mater e àqueles que a assumem como língua oficial!
* PROFESSORA DE PORTUGUÊS