Tantas são as trapalhadas deste Governo, que corremos o risco de começar a não reparar nelas. Mesmo naquelas que se arriscam a contribuir desmesuradamente para o anedotário nacional, que se multiplica dia após dia, não raramente com preciosa ajuda do Palácio de Belém. E, note-se, nem sequer estou a referir-me à deslocação feita ontem pelo presidente da República para inaugurar um hotel que está a funcionar desde março, embora esta data seja relevante para o que vem a seguir.
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Foi precisamente em março que terminou o mandato do atual presidente da Autoridade da Concorrência (AdC). Desde então, Passos Coelho ainda não foi capaz de encontrar um substituto para Manuel Sebastião. Quando ainda era líder da Oposição, Passos defendia uma gestão política da AdC e, chegado ao poder, alterou a legislação para dotar o mais importante organismo regulador do país das ferramentas necessárias para a democratização da economia. Em resumo, a AdC baseia agora a sua atuação no princípio da oportunidade, podendo assim definir politicamente as suas prioridades.
Até aqui tudo certo. Só que o Governo tem-se manifestado incapaz de nomear alguém que materialize estes princípios, já que Manuel Sebastião se encontra em processo de gestão corrente.
As confusões envolvendo a AdC começaram mal foi conhecida a peregrina intenção de Passos Coelho de nomear Luís Pais Antunes como substituto de Sebastião. Além de advogado da Vodafone, Pais Antunes era igualmente sócio na PLMJ, a firma que acompanhava justamente um dos processos mais quentes em análise na AdC: a fusão da Zon com a Optimus de Belmiro de Azevedo. O conflito de interesses parecia evidente, mas não para o Governo. A Oposição criticou a nomeação, que se foi arrastando sem se concretizar, até que Pais Antunes acabaria por se mostrar indisponível para o cargo.
Ontem, foi o jornal da Sonae a revelar que, agora, o Governo pretende colocar na AdC Álvaro Almeida que, esclarece o "Público", é nada mais nada menos do que o irmão do presidente da Optimus. Não é uma nomeação ilegal mas, se seguir em frente, arrisca-se a colocar no regulador da concorrência alguém que não poderá participar numa boa parte das decisões. A bizarra situação decorre do facto de o Código do Procedimento Administrativo impedir os titulares de órgãos da administração pública de intervir em decisões sempre que exista, nomeadamente, interesse direto de um irmão. É o caso. Este facto não impediu, contudo, a comissão governamental responsável pelo aval às candidaturas de ter despachado favoravelmente o seu nome. Outro foi o critério usado pelo mesmo organismo na análise à nomeação daquela que seria a vogal na equipa de Álvaro Almeida. A referida comissão colocaria reservas ao nome de Margarida Rosado da Fonseca, uma advogada sénior na sociedade de Morais Leitão, que tem a Sonae como um dos clientes. É certo que Rosado da Fonseca cumpriu um "período de nojo" (está há cerca de dois anos a trabalhar para o Governo na equipa que acompanha a execução do memorando da troika), mas dificilmente deixarão de se levantar suspeitas sobre potenciais conflitos de interesses.
Ao indicar Álvaro Almeida para um cargo que terá que lidar com imensos dossiês do irmão Miguel Almeida, o Executivo torna pior a emenda do que o soneto e arrisca a eficácia da AdC. E não dá nenhum contributo para a transparência da administração pública que todos exigimos. Muito pelo contrário.