Adélia Prado. Beleza que o tempo não apaga
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“A poesia é necessária como o pão.” A frase, que poderia ter saído da boca de um camponês em qualquer rincão do Mundo, foi escrita por Adélia Prado, mineira de Divinópolis, que ontem recebeu - ainda que representada pelo filho - o Prémio Camões das mãos dos presidentes Lula e Marcelo. Na cerimónia em Brasília, celebrou-se não apenas uma autora, mas uma voz que há décadas nos lembra que a grandeza da literatura não está na erudição distante, mas na palavra que chega sem rodeios, como o cheiro do café coado de manhã.
Adélia não escreve para impressionar. Escreve porque sente. E sentir, num Mundo que corre a velocidades implacáveis, tornou-se um ato revolucionário. A sua poesia nunca precisou de molduras douradas, nem de labirintos intelectuais. Nas páginas dos seus livros, Deus conversa com o quotidiano, o sagrado esconde-se na roupa estendida no varal, e o amor encontra-se na lembrança de um vestido azul rodopiando na infância.
E é aí que está a lição de Adélia Prado para o presente e o futuro. Se o tempo de hoje idolatra o excesso - de informação, de estímulo, de opinião -, a sua literatura ensina-nos a encontrar significado na contenção. O passado, onde as suas palavras se ancoram, não é um lugar de nostalgia vazia, mas um território de aprendizagem. Quando Adélia descreve o menino com os sapatos novos, a mulher que varre a casa ou a mãe que penteia os cabelos da filha, ela não está apenas a evocar lembranças. Ela está a lembrar-nos do que importa.
O Mundo moderno desconfia da simplicidade, como se a beleza precisasse de justificativa. Adélia mostra-nos que não. A sua poesia não é grito, é murmúrio. Não é espetáculo, é presença. E, talvez por isso, dure mais do que os fogos de artifício que iluminam brevemente o céu e desaparecem. Um poema de Adélia Prado, como o pão de cada dia, nunca será supérfluo.